Erguer as Mãos que Pendem

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quarta-feira, 18 de outubro de 2017

CRIMINALISTA SIM, SENHOR!







O Advogado e professor Bruno Barros lança a segunda edição do Livro ‘Criminalista sim, senhor’. No livro o autor conta, em 17 capítulos, inspirados em casos reais, os desafios do advogado criminalista.
No dia 27.10.17, às 20h, na Faculdade SEUNE em Maceió/AL, o autor receberá os amigos, numa noite de autógrafos.

VOCÊ É NOSSO CONVIDADO!!!!

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

O Tribunal do Júri em Evidência


Venha debater sobre o Tribunal do Júri...

A ideia é conversarmos sobre o procedimento, recursos, prisão e liberdade e a defesa oral no Júri.

Meu primeiro Júri foi há aproximadamente 18 anos. Cada novo Júri é uma nova emoção. A boca fica seca, o coração acelera, a mente vai a mil.


Será uma noite para os apaixonados pela advocacia criminal e pelo Tribunal do Júri.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

CUIDADO QUANDO EMPRESTAR SEU CARRO!


O denominado erro de tipo essencial é aquele em que o agente não tem o devido discernimento acerca das informações que preenchem fundamentalmente o tipo penal. Ou, em outras palavras, a falsa apreciação da realidade fática prevista no crime.
No Código Penal o erro de tipo está expressamente previsto no art. 20, caput, 1ª parte, assim dispõe: “Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime, exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”.
Recentemente, chegou em nossas mãos mais um caso de denúncia por crime de porte ilegal de arma de fogo. E, mais uma vez, o indivíduo havia emprestado seu carro e, posteriormente, foi parado numa abordagem regular da polícia, que revistou o carro e dentro dele encontrou uma arma de fogo. Como consequência, prisão em flagrante e, posteriormente, denúncia por porte ilegal de arma de fogo.
Acho que podemos concordar que, no caso de você emprestar um carro a alguém e depois recebê-lo de volta, não seria comum, normal, esperado - ou qualquer coisa que o valha - que ao receber o carro de volta se faça uma varredura, em todo e qualquer compartimento do veículo em busca de algum objeto lícito ou ilícito.
Claro que se um objeto está diante dos olhos, pode ser diferente. Mas, no caso concreto a arma estava envolta em panos e embaixo do banco do passageiro, fora do alcance da visão de qualquer pessoa que entrasse no carro.
Mas, tendo em vista que não é o primeiro caso desses que tomo conhecimento – sem falar nos casos de achado de drogas ilícitas -, já estou pensando em todas as vezes que entrar no meu carro ou mesmo no carro de alguém fazer uma revista minuciosa.
Pois, bem, ironias a parte. Esses casos se enquadram, como antecipamos, no instituto do erro de tipo essencial. Vejamos o que dizem alguns doutrinadores a respeito do referido instituto. 

              Luís Flávio Gomes:
Há o erro de tipo essencial quando o erro do agente recai sobre os dados constitutivos do tipo fundamental, do tipo qualificado ou sobre as circunstâncias agravadoras.
O erro de tipo essencial sempre exclui o dolo do agente e pode ser escusável ou inescusável: é escusável e, assim, afasta o dolo e a responsabilidade penal totalmente, quando era inevitável... [1]
           
               Cezar Roberto Bitencourt:
O erro de tipo essencial sempre exclui o dolo, permitindo, quando for o caso, a punição pelo crime culposo, uma vez que a culpabilidade permanece intacta. O erro de tipo inevitável exclui, portanto, a tipicidade, não por falta do tipo objetivo, as por carência do tipo subjetivo. Assim haverá a atipicidade por exclusão do dolo, somente quando o erro for inevitável...  (grifamos). [2]

            Ora, para afirmar que houve erro de tipo essencial, é preciso, porém, demonstrar que o indivíduo não tinha conhecimento de que havia um objeto ilícito no interior do veículo, o que nem sempre será simples. Contudo, uma vez demonstrado que o indivíduo não sabia da existência do objeto ilícito (erro de tipo essencial), isto implicará na ausência do elemento subjetivo do tipo penal (dolo). E sem dolo, nos casos de crime de porte de arma de fogo, por exemplo, não há crime.
Mas, talvez fosse bom dar uma olhada mais detida no seu carro antes de entrar nele!




[1] Gomes, Luís Flávio. Erro de tipo e erro de proibição: e a evolução da teoria causal-naturalista para a teoria finalista da ação: doutrina e jurisprudência: estudo especial do art. 20 §1º do Código Penal. 4ª ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 112.
[2] Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte geral, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 343 

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Conversão e Regressão, cada coisa em seu lugar



Um homem foi condenado a pena privativa de liberdade no regime semiaberto. A pena privativa de liberdade foi substituída por pena restritiva de direito de prestação de serviço à comunidade.
Ele iniciou o cumprimento e após dois meses, deixou de cumprir a pena. O Juízo da execução penal designou data para audiência de justificação, pois o descumprimento injustificado da pena restritiva de direito acarreta a conversão na pena privativa de liberdade imposta, computando-se o tempo de pena cumprido.
Houve audiência de justificação, porém o apenado não foi intimado por se encontrar em lugar incerto e não sabido. Na audiência, tendo em vista a ausência do réu para se justificar o Juízo decidiu por converter a pena restritiva de direitos em privativa de liberdade e, ainda fez de forma equivocada, no nosso entendimento, a regressão de regime.
Ora, mesmo entendendo injustificado o descumprimento, a Lei indica que a conversão é da pena restritiva em privativa de liberdade, no mesmo regime e, como dito, computado o tempo cumprido. As decisões dos Tribunais são nesse sentido:
Data de publicação: 19/06/2012
Ementa: PROCESSO PENAL. SUBSTITUIÇÃO. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DESCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO. CONVERSÃO. REGIME MAIS GRAVOSO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. O descumprimento injustificado da pena restritiva de direitos gera sua conversão à pena original, imposta pela sentença condenatória, nos termos do art. 181 , § 1º , •b–, da LEP , funcionando como sanção definida pelo legislador penal à citada indisciplina. 2. O disposto no art. 188 , § 1º, da LEP , é direcionado ao condenado que frustre a finalidade da execução no cumprimento de pena privativa de liberdade. 3. Configurado o constrangimento ilegal na imposição de regime mais gravoso por ocasião da conversão da pena restritiva de direitos. 4. Ordem concedida.

TJ-RO - Habeas Corpus HC 00079101220118220000 RO 0007910-12.2011.822.0000 (TJ-RO)

Data de publicação: 26/08/2011
Ementa: Habeas corpus. Conversão pena privativa liberdade por restritiva direitos. Descumprimento. Ampla defesa assegurada. Nova conversão em privativa liberdade. Regime mais gravoso que fixado no título executório. Ordem concedida. Ocorrendo o trânsito em julgado da condenação, é defeso o agravamento da situação do paciente em fase de execução da reprimenda. Tratando-se de descumprimento injustificado de pena restritiva de direitos, a medida cabível é sua conversão em privativa de liberdade (art. 44, § 4º, do CP), devendo ser observado o regime inicial fixado no título executório.

Uma vez convertida a pena, caso não haja o respeito às regras do regime originário da pena privativa de liberdade imposto na sentença penal condenatória, poderá haver nova audiência de justificação para a regressão, ou não, do regime. Esse parece ser o entendimento majoritário, inclusive do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos ementário de precedente:

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 662066 SC 2004/0096611-0 (STJ)

Data de publicação: 01/08/2005
Ementa: PENAL. RECURSO ESPECIAL. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. CONVERSÃO EM PRIVATIVA DE LIBERDADE. RÉU PRESO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 76. CONCURSO DE INFRAÇÕES. EXECUÇÃO. PENAS MAIS GRAVES E POSTERIORMENTE AS DEMAIS. MULTA. INADIMPLÊNCIA. DÍVIDA DE VALOR. No caso de descumprimento injustificado da pena restritiva de direitos, na hipótese de o réu estar preso, não é razoável a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, em virtude da prisão do réu e, assim, impossibilitado de adimplir a restrição determinada. A solução está no art. 76 do Código Penal que trata do concurso de infrações, determinando a execução primeiramente dos crimes mais graves. Assim, o executado cumprirá a pena privativa de liberdade para, somente depois, ter a possibilidade de prestar serviços à comunidade, devendo esta ser suspensa enquanto cumpre aquela, em respeito ao art. 116 , parágrafo único , do Código Penal . A pena de multa, se não adimplida, transforma-se em dívida de valor, sendo que para a sua satisfação existem meios próprios que não o aplicado pelo acórdão recorrido. Recurso provido

 Portanto, é preciso por cada coisa em seu lugar. Um fato é o descumprimento da pena restritiva de direito, que tem como possível consequência a conversão. Outro fato é o descumprimento das regras do regime inicial da pena, que tem como possível consequência a regressão.

PS: vale dizer que após a expedição do mandado de prisão, o apenado foi encontrado. Será que se houvesse o mesmo empenho pelo oficial de justiça ele teria sido encontrado para se fazer presente na audiência de justificação?


quarta-feira, 14 de junho de 2017

CONVENCER OU NÃO CONVENCER, EIS A QUESTÃO

A prova, a leitura (valoração) da prova e o que essa leitura gera no íntimo do julgador é que definirá a sorte de um réu. Um famoso advogado americano disse uma vez que “There is something very wrong with a system that forces me to inform an Innocent man that his innocence may not mean much in a court of law” (F. Lee Bayle).

Parece ser uma questão universal. De fato, para o processo, muito pouco importa que seu cliente seja culpado ou inocente. Inocente ele será – para o processo – se a acusação não conseguir trazer provas suficientes para gerar uma certeza no julgador; culpado se conseguir.

É preciso entender que o contato do Juiz com a “realidade fática” é sempre intermediado pelas provas dos autos. Logo, “a verdade” será aquela traduzida da valoração das provas.

Não é sem motivos que Ferrajoli disse que “Se a história das penas é uma história de horrores, a história dos julgamentos é uma história de erros; e não só de erros, mas também de sofrimentos e abusos (...)”. É preciso ter o entendimento que muitas pessoas inocentes serão condenadas e que muitos culpados serão inocentados. 

Pois bem, sabendo que, para além dos fatos o que vai realmente importar é o que se prova, como o julgador valora a prova e o que a valoração da prova gera no julgador, é preciso, portanto, realizar um grande esforço para desqualificar o que for apresentado pela acusação e se possível produzir prova de inocência. Eu sei, você pode estar pensando: o réu não precisa provar sua inocência, ele tem presunção de inocência (garantia dada pela Constituição). Mas, te digo que nem sempre é assim.

Num Júri, especialmente, a apresentação da prova não pode ser meramente narrativa, precisa ser argumentativa. Lembre-se que os jurados, como todo julgador, precisam se convencer da inocência, ou pelo menos não ter a certeza da culpa do réu. Então, mais do que do que ter ou não ter provas, você precisa convencê-los que a prova existente não é suficiente para uma condenação. 

Vejam que a chave não está se seu cliente (o réu) é culpado ou inocente. A chave está no convencimento de que ele é ou não culpado. Parece que F. Lee Bayle tinha razão quando, consternado, afirmou que tem algo muito errado num sistema de justiça que o força a dizer a um homem inocente, que sua inocência pode não significar muita coisa no julgamento dele.

Conclusão: Não é suficiente ser inocente, é preciso convencer o julgador que seu cliente não é culpado.

Hoje foi um dia de Tribunal.




Estive hoje pela manhã no Tribunal de Justiça de Alagoas (Câmara Criminal).


Há mais ou menos 06 meses atuei como assistente de acusação num Júri, cujo resultado foi a condenação do réu em mais de 20 anos de reclusão em regime fechado. A defesa recorreu da sentença.

Hoje foi o dia do julgamento da apelação. Como disse, estava funcionando como assistente de acusação. Era uma apelação da defesa que pretendia como pedido principal que o Tribunal reconhecesse que os jurados decidiram de forma evidentemente contrária à prova dos autos e, como pedido subsidiário, que a pena privativa de liberdade fosse redimensionada.

Após a sustentação da defesa e do pronunciamento do Procurador de Justiça, subi a tribuna para, após expor meus argumentos, requerer a manutenção do julgamento e da sentença penal condenatória.

A Câmara Criminal à unanimidade de votos manteve o julgamento e diminuiu a pena do apelante em 01 ano e 06 meses.



terça-feira, 25 de abril de 2017

FALTA DE JUSTA CAUSA – ART. 395, III DO CPP




O Legislador pátrio estabeleceu no artigo 395 do Código de Processo Penal quando a denúncia deve ser rejeitada. Vejamos o texto:

Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
I - for manifestamente inepta; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
Parágrafo único. (Revogado). (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).


O que seria a falta de Justa Causa indicada como causa de rejeição da denúncia no artigo 395, III do CPP? Guilherme Souza Nucci afirma o seguinte:
Ausência de justa causa: desdobra-se a questão em dois aspectos: a) justa causa para a ordem proferida, que resultou em coação contra alguém; b) justa causa para a existência de processo ou investigação contra alguém, sem que haja lastro probatório suficiente.[1] (grifamos)

A denúncia necessita ser suportada por um mínimo de lastro probatório, sob pena de violar direito fundamental do cidadão que se vê exposto ao vexame de uma persecução criminal, sem ter contra si provas idôneas. Veja parte de um excelente artigo sobre o tema, escrito pela juíza fluminense Eliana Alfradique, que corroborará com as ideias adrede sustentadas:

O ilustre Promotor de Justiça Afrânio Silva Jardim retrata em sua lição a fibra vital do conceito de justa causa, considerando-a quarta condição da ação:
“Justa causa é suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado. Tal lastro probatório nos é fornecido pelo inquérito policial ou pelas peças de informação, que devem acompanhar a acusação penal”.
Weber Martins Batista, citando Ada Grinover, em decisão do TACRIM/SP, entendeu correto o não recebimento de denúncia sem esse princípio de prova, pois a mera suposição “não justifica o desencadeamento de um processo criminal, que representa, por si só, um dos maiores dramas para a pessoa humana. Por isso é que um mínimo defumo de bom direito” há de exigir-se, para que se leve adiante o processo”. (Ac. Unânime, 2ª Câm., Rel. Juiz Amaral Salles, JUTA 67/225).
A denúncia deve reportar-se  a um fato delituoso, corroborado quantum satis por elementos probatórios idôneos. O ato acusatório deve basear-se pelo menos em indícios no que concerne à autoria. Por exercitar seu controle de viabilidade da ação penal, o judiciário pode e deve examinar a prova que sustenta uma denúncia, para reconhecimento da fumaça do bom direito, o mínimo demonstrador daquelas circunstâncias: existência do crime e autoria. (...). (AC. de 18/04/1085, Rel. Juiz Lustosa Goulart, ADV, 23.311).
Para o oferecimento de uma denúncia, cuja  responsabilidade assume de seu próprio punho, exige-se do Promotor a maior ponderação, leciona Roberto Lyra. O Código de Processo Penal estabelece os requisitos da denúncia, que é inepta e fica sujeita à rejeição in limine,  se não os satisfizer. Exige-se a maior prudência, para evitar denúncias temerárias. O Promotor Público tem a responsabilidade direta de fazer assentar-se nos bancos dos réus, de incluir nos arquivos de identificação criminal de expor a ônus, vexames e escândalos de um processo criminal o denunciado. É bem sério o dever de atender às imposições de sua consciência, como órgão da ação penal, medida extrema e excepcional que inspira a mais delicada compenetração das responsabilidades funcionais, doutrina Roberto Lyra.[2]

Enfatizamos que o fato de responder a um processo criminal já é uma espécie de punição. A pessoa se vê exposta e julgada no seu meio social. Ela passará por um enorme desgaste emocional, social e, inclusive, financeiro. Portanto, o juiz da causa tem o dever de analisar se a denúncia apresenta um mínimo de lastro probatório em relação à autoria do fato, não podendo o processo servir como meio de investigação. Neste mesmo entendimento leciona o ilustre doutrinador Aury Lopes. Senão vejamos:
“A acusação não pode, diante da inegável existência de penas processuais, ser leviana e despida de um suporte probatório suficiente para, á luz do princípio da proporcionalidade, justificar o imenso constrangimento que representa a assunção da condição de réu” [3]

Repita-se, que para que haja o recebimento da denúncia, é necessário que a mesma apresente elementos informativos ou provas suficientes da autoria, de maneira que indique a plausibilidade da acusação, ou seja, um suporte mínimo de prova ou indícios suficientes de imputação. Vale rememorar a decisão do Ministro Celso de Mello que tratou do ônus da prova no processo penal [4]:

O processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção e de delimitação dos poderes que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu – que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória – o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público. (grifo nosso)

Portanto, a acusação ao oferecer uma denúncia, precisa apresentar provas ou pelo menos indícios suficientes de autoria sob pena de rejeição da denúncia por falta de justa causa para o exercício da ação penal.



[1] NUCCI, GUILHERME DE SOUZA. Código de Processo Penal Comentado. 2ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2003, p.867.

[2] A FALTA DE JUSTA CAUSA PARA INÍCIO OU PROSSEGUIMENTO DE AÇÃO PENAL REQUISITOS - DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA - ELIANE ALFRADIQUE - Mestre em Direito Público, Juíza no Rio de Janeiro.

[3] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Vol. I. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2007, p. 358.
[4] S.T.F. – HC nº 73.338-7 – RS, 1ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 7/11/89, DJU de 14/8/92, p. 12.225. ementa parcial.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

ADVOGANDO NO TRIBUNAL DO JÚRI

Estou trabalhando em mais um livro. O título será: Advogando no Tribunal do Júri. Terá duas partes.
A primeira parte tratará de noções básicas do procedimento do Júri, desde a fase inicial até a fase recursal.
A segunda parte tratará de casos baseados em fatos reais. Claro que, nomes, cidades, alguns detalhes serão modificados, omitidos ou acrescentados para não expor ninguém.
Para atiçar a curiosidade segue abaixo um dos casos:

UM CLIENTE DIFÍCIL

Não faz muitos anos, fui convidado por um grande amigo para fazer um júri numa pequena cidade do interior de Pernambuco. Ele fora contratado pela família do réu para fazer a defesa num crime de homicídio. O trabalho dele compreendia toda a parte escrita e as audiências, mas deixava de fora o Júri. É que este colega advogado não gostava de fazer a defesa no Júri. Ele se achava muito bom escrevendo, razoável nas audiências, mas não gostava da batalha do Júri. Portanto, ele me convidou para uma parceria.
Mas, vamos voltar um pouquinho no tempo. Quando ele foi contratado o réu estava preso. Ele fez muitos pedidos de liberdade ao juiz da causa, todos sem sucesso. O réu ficou preso durante todo o processo, aproximadamente dois anos.
Processo com réu preso não é fácil. A pressão familiar é enorme. Ligações quase todos os dias. Todo mundo liga. Todo mundo pergunta a mesma coisa: quando ele vai sair da prisão? Uma profissão de cartomantes esta a da advocacia criminal. Logo no primeiro contato, o cliente quer saber se vai ser denunciado, ou não; se vai ser preso, ou não; quanto tempo ficará preso; se vai ser absolvido ou condenado; qual a quantidade de pena, em caso de condenação. Ah se tivéssemos uma bola de cristal!
Todo o esforço para conseguir a liberdade foi em vão. O crime chocou a pacata cidade do interior de Pernambuco. Nenhum Juiz ou Desembargador iria dar-lhe a liberdade de volta.  E quando o réu é pobre pouco adianta entrar com um habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça em Brasília. Sem dinheiro para custear a passagem do advogado para que ele trate pessoalmente do caso com o Ministro relator, sem dinheiro para que o defensor entregue os memoriais aos Ministros e faça a sustentação oral, o habeas corpus demorará, por vezes, anos para ser julgado.
Eu me lembro de um caso peculiar que, mesmo sendo meu cliente pobre, como não tínhamos mais alternativas, resolvi arriscar um habeas corpus no STJ. Eu já tinha feito inúmeros pedidos para o juiz de primeiro grau, que negou peremptoriamente todos os meus pedidos. Na última negativa, ele me chamou e disse: “Doutor eu não vou soltar seu cliente, não perca mais seu tempo fazendo pedidos, se quiser vá ao tribunal de Justiça”. Foi o que fiz. Bati na porta do Tribunal de Justiça pelo menos duas vezes. Mas, as respostas foram as mesmas: NÃO!!!
Pois bem como estava dizendo, resolvi entrar com um habeas corpus no STJ. Estudei o caso novamente, estudei a jurisprudência do STJ. Fiz o melhor trabalho que poderia fazer. Enviei pelos correios a petição para Brasília. Ainda não tínhamos o processo eletrônico, então enviávamos a petição para a sala dos advogados em Brasília ou para algum colega que protocolava o habeas corpus. Há dez anos não tínhamos as restrições que temos hoje. Fazíamos habeas corpus substitutivos. Hoje temos que fazer recurso em habeas corpus, o que torna o processamento do habeas corpus mais lento ainda. Se há dez anos o habeas corpus era um remédio amargo, hoje, confesso, que só impetro um habeas corpus em último caso.
Enviei o habeas corpus e esperei o processamento e julgamento. Durante meses ficava olhando no site do STJ, mas simplesmente ele não andava. Ainda fiz algumas ligações, mas sem resultado. O tempo passou. Voltei a insistir com o juiz de primeiro grau que continuou negando os pedidos de liberdade.
Certo dia, resolvi visitar meu cliente na prisão, fazia uns três meses que não tinha ido visitá-lo, talvez por não ter novidades, talvez por uma certa vergonha, não sei. Quando cheguei ao presídio e disse seu nome, não o encontraram. Fiquei preocupado! Fui ao prontuário e lá fui informado que ele havia sido solto, fazia duas semanas. Voltei ao escritório e fui olhar o habaes corpus e, para minha surpresa, ele havia sido julgado fazia quatro semanas. O Superior Tribunal de Justiça havia reconhecido que a prisão era ilegal - um ano e dois meses após a impetração, dois anos e dois meses depois que meu cliente fora preso - ordenando a imediata soltura do paciente.
Mas, voltemos ao caso do meu colega, a cada pedido de liberdade negado a pressão aumentava, mas nada adiantava. Foram meses de decepção e de muitas explicações. Profissão de cientistas esta a da advocacia criminal. Você tem que explicar o inexplicável. Como fazer alguém entender que João, por exemplo, foi solto após três meses preso, sendo réu confesso do homicídio e seu cliente está preso há quase dois anos, tendo negado o fato? Como explicar que depois de 500 dias preso, sem julgamento, não há excesso de prazo da prisão? Ah se nossa profissão fosse uma ciência exata, em que dois mais dois sempre é, e sempre será, quatro, em qualquer lugar e em qualquer tempo.
No dia da audiência, ele me contou que as coisas, que já não estavam tão boas, pioraram. É como se diz: nada pode estar tão ruim, que não possa ficar pior. Ele me disse que o cliente fora reconhecido, os motivos do crime foram esclarecidos, mas nada de crueldade tinha sido dito, pelo menos até agora. Nem o Promotor havia pedido a condenação por crueldade. A denúncia pedia a condenação de 12 a 30 anos pelo crime de homicídio cometido por motivo fútil.
Mas, como tudo pode ficar pior, veio o interrogatório. O juiz perguntou ao réu onde ele estava no dia do fato. Ele respondeu que estava no lugar do crime, pois tinha cometido o crime. Então o juiz perguntou se era verdadeira a acusação. O réu respondeu que sim (de fato, nunca negara). O juiz perguntou como se deu o crime. O réu explicou tudo em seus pormenores.
Ele havia discutido na manhã daquele dia com a vítima. Ambos trocaram insultos, empurrões e ameaças. Segundo a promotoria, tudo por causa de um litro de cachaça. Depois da confusão ele foi para casa. No fim da tarde, saiu novamente, mas desta vez levou uma arma consigo. No caminho encontrou um amigo que lhe convidou para tomar uma cachaça. Veja como são as coisas um amigo que convide o cidadão para ir para uma Igreja, o cidadão não encontra, mas para tomar cachaça… Pois bem, no bar, adivinhe quem ele encontrou?!? Já viu no que deu. Cinco tiros: braço, rosto, pescoço, tórax. Tinha perfuração em todo lugar. A vítima saiu de onde estava e foi ao encontro do réu, mas antes de chegar muito perto foi alvejada e morta.
Até aqui não tinha novidade, tudo estava nos laudos e nos depoimentos das testemunhas. Agora vem a bomba! O réu, do nada, narrou como foi a sequência dos tiros: Doutor dei um tiro certeiro que pegou no pescoço, o cabra já caiu no chão, com a mão no pescoço. Era sangue por todo lado. Eu me aproximei e descarreguei a arma. Pronto, pior impossível, foi suficiente para o Promotor pedir para acrescentar à denúncia a crueldade, pelo número excessivo e desnecessário de tiros.
Meu colega redigiu uma excelente peça de defesa, pedindo que não fossem acatadas as qualificadoras da futilidade e da crueldade. Mais uma derrota! O réu fora pronunciado por homicídio duplamente qualificado. Ele pensou em recorrer, mas resolveu pedir minha opinião. Veja bem, eu disse, você tem um cliente preso há dois anos. Uma pressão enorme da família. O recurso vai demorar pelo menos seis meses. O réu vai continuar preso, mais pressão. Dificilmente, neste caso, o Tribunal de Justiça (órgão revisor das decisões dos juízes de primeira instância) vai modificar a decisão e retirar as qualificadoras. Em regra se entende que o Júri é quem deve decidir se existem ou não as qualificadoras. Então é melhor tentar a sorte no Júri.
E veja, se os jurados acatassem a tese da inexistência das qualificadoras, o crime seria o de homicídio simples cuja pena é de seis a vinte anos. E, mais, como o crime de homicídio simples não é hediondo (salvo quando feito por grupo de extermínio), a progressão de regime se dá com o cumprimento de um sexto da pena. Ou seja, se ele pegasse até doze anos, já poderia sair do regime fechado para o semiaberto, pois já estava preso há mais de dois anos. E, no pior das hipóteses, o cliente teria uma definição. Ele concordou, com uma ressalva: eu teria que fazer o Júri com ele.
Pois bem, as semanas que antecederam o júri foram de preparação e ansiedade. Estudo e ansiedade perseguem o advogado a vida toda. O dia do Júri chegou, eu havia conversado com o cliente uma única vez. Ele chegou algemado, sentou num canto do salão do Júri. Pedi aos policiais que retirassem a algema, no que fui prontamente atendido. Conversei com nosso cliente. Bem, não foi um diálogo, foi mais para um monólogo. Eu falava e ele balançava a cabeça, quando eu insistia muito em ouvir uma resposta, ela era monossilábica: SIM ou NÃO.
Naquela pequena entrevista eu perguntei várias vezes qual teria sido o motivo do crime. Ele simplesmente não respondia. Perguntei o motivo dos cinco disparos. Nenhuma resposta. Então expliquei que a acusação estava pedindo a condenação dele por homicídio qualificado por motivo fútil e por crueldade, ou seja, em palavras mais simples possíveis para ele eu disse que o promotor iria dizer que ele matou por causa de um litro de cachaça e que ele disparou muitas vezes contra a vítima e de forma desnecessária, fazendo com que ela sofresse para morrer.
Por outro lado, nós estávamos afirmando que ele matou para não morrer e que a quantidade de disparos, no momento do medo, da ansiedade, do turbilhão de sentimentos não pode ser medido, havendo no máximo um excesso, nunca uma crueldade. Terminei a entrevista e fomos ao Júri. Como não havia testemunhas para serem ouvidas em plenário, passamos ao interrogatório.
O juiz começou a fazer as perguntas e ele estava respondendo - do jeito dele, meio monossilábico, mas estava - e ele estava indo razoavelmente bem, pelo menos não tinha dito nada que prejudicasse a defesa dele. Quando veio a esperada pergunta: Por que o senhor matou a vítima? Então ele soltou a pérola do dia: “Doutor o cidadão me roubou um litro de cachaça e depois ainda veio querer confusão”. Eu quase baixei a cabeça, mas o advogado tem que assistir tudo de forma fria e tranquila, mesmo que por dentro esteja a ponto de ter um colapso.
Bem, como o que está ruim pode piorar, o juiz fez a outra pergunta: Como se deu o crime? Ele então fez o favor de repetir em detalhes o que já havia dito no interrogatório durante a instrução, explicou golpe por golpe. Parecia que os jurados estavam vendo o filme. Agora eu tinha chagado a conclusão de que as coisas estavam tão ruins, que meu maior consolo é que elas só poderiam melhorar.
O promotor ficou com a faca e o queijo na mão. O maior acusador do caso, a melhor testemunha de acusação do processo era o nosso cliente. Ele, para além de contar os fatos, caiu na besteira de interpretá-los. Logo ele, que foi tão monossilábico comigo. O promotor fez uma acusação excelente. Narrou todos os detalhes e provou tudo com a confissão do réu. Ele mal leu os depoimentos das testemunhas. Ele pegou o interrogatório e provou cada ponto de sua argumentação. Ao fim de sua fala, fiquei com vontade de levantar a mão e dizer que também concordava com a acusação. A situação estava tão ruim que meu colega me disse: E agora, o que você vai dizer? Eu estava me fazendo a mesma pergunta.
Chegou a minha vez, agora era a vez de a defesa falar. Chegara o momento esperado, o momento de colocar tudo o que foi estudado e aprendido para fora. É um momento mágico. É um momento de pura inspiração, sempre resultante de muita transpiração, ou seja, de muito trabalho, de muita preparação prévia. Eu havia tomado nota de todos os pontos da acusação. Agora era a hora. E como diz a música: Quem sabe faz a hora não espera acontecer.
Na minha mente estava tudo muito claro. Eu não podia mexer nos fatos, afinal os fatos foram postos pelo meu cliente. Mas, eu podia interpretá-los. E para mim, não havia futilidade, nem havia crueldade. Ele era culpado, até poderia ser punido, mas não cometera o crime que o promotor havia sustentado. Então parti para a construção da minha defesa e para o ataque aos argumentos da acusação. Não se pode deixar de levar em conta o pensamento do grande professor e advogado americano Alan Dershowitz: A melhor defesa é o ataque!
Ao fim os jurados decidiram por maioria de votos (4x3) que o crime foi cometido por motivo fútil e de forma cruel. O juiz então aplicou a pena de 15 anos de reclusão no regime fechado.
Quando tudo terminou, fui explicar tudo ao cliente e, principalmente, quais seriam os próximos passos. Tudo explicado, perguntei-lhe se ele tinha entendido tudo, ao que me respondeu, para variar, que sim. Perguntei-lhe se tinha alguma dúvida. Adivinha o que ele me respondeu? Não! Até hoje não entendo por qual motivo ele ficava tão falante nos interrogatórios e tão monossilábico nas entrevistas comigo.