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4.3 Aplicando o Exame da
Proporcionalidade em Casos de Prisão Preventiva
Destaca-se,
neste ponto, que por ocasião do capítulo 3 deste trabalho analisou-se
detidamente a natureza cautelar da prisão processual, cada uma das espécies de
prisão processual, os requisitos (finalidades) da prisão preventiva e
temporária, as situações de impedimento e as garantias fundamentais limitadoras
da utilização da prisão como medida de cautela processual. Remete-se o leitor
àquele capítulo sempre que tiver necessidade de um apanhado mais específico da
prisão cautelar.
O
artigo 312 do Código de Processo Penal regula a prisão preventiva estabelecendo
que ela poderá ser decretada quando houver prova da materialidade e indícios
suficientes de autoria, e estiver presente uma das finalidades elencadas, a
saber: para garantir a ordem pública, para garantir a ordem econômica, para a
conveniência da instrução criminal e para a aplicação da lei penal.
Ademais,
o parágrafo único determina que caso tenham sido estabelecidas outras medidas
cautelares (art. 319 do CPP) e tenha havido descumprimento, é possível a
decretação da prisão preventiva.
No
exame da proporcionalidade, como visto, o primeiro passo é verificar se a
medida de restrição afeta um direito fundamental do destinatário, o que se
denomina de subsunção prima facie. No
caso de prisão cautelar é fácil verificar que muitas posições do indivíduo
podem ser afetadas. Por exemplo, o direito de locomoção, a presunção de
inocência, o direito de trabalhar, de convivência familiar, a dignidade da
pessoa humana, entre outros que devem ser sempre analisados em cada caso
concreto.
Feita a
subsunção prima facie, é preciso
verificar se o fim pretendido é legítimo.[1]
Aqui um ponto tormentoso, uma questão polêmica. Seria a garantia da ordem
pública um fim legítimo a ser perseguido por meio da prisão cautelar?
A
garantia da ordem pública, em que pese a indeterminação da expressão e sua
falta de conceituação legal, tem sido tratada como um “estado de paz social
experimentado pela população e decorre do grau de garantia individual ou
coletiva que o poder público propicia”.[2]
O dever
do Estado de garantir a ordem pública está expressamente previsto no artigo 144
da Constituição Federal de 1988: “A segurança pública, dever do Estado, direito
e responsabilidade de todos, é exercido para a preservação da ordem pública e
da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I –
polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – policial ferroviária
federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros
militares”.
Observe-se
que a segurança pública que deve garantir a ordem pública é dever do Estado
exercido por meio de certos órgãos, ligados ao Executivo, não tendo sido
mencionado o Judiciário. Dizendo de outra forma, não é papel primordial de um
magistrado manter a ordem pública. Diz-se primordial, pois se reconhece que,
como a segurança pública é direito e responsabilidade de todos, é possível
dizer que ele (magistrado) também é responsável pela segurança pública.
Para
Pacheco, a medida de cautela prisional deve “contribuir para as finalidades
imediatas da persecução criminal”[3]
e deve contribuir com “o fim mediato geral da persecução criminal, que é a
segurança pública”.[4]
Mas ele entende que “no caso concreto, deve-se verificar se a medida cautelar
pessoal é adequada aos fins imediatos e mediatos (geral e específico) da
persecução criminal, ou seja, se contribui para a realização desses fins”.[5]
Parte
do desafio é que a prisão visando garantir a ordem pública não está para o processo,
não tem natureza cautelar processual. É prisão para defesa da sociedade, não
contribuindo, portanto, para os fins imediatos do processo. No pensar de Fábio
Delmanto, ao tratar da garantia da ordem pública e da ordem econômica, “não
buscam garantir a realização ou eficácia do processo (cautela instrumental ou
cautela final), mas, sim, evitar que o delinquente volte a cometer crimes ou
mesmo como medida de defesa social”.[6]
Já Aury
Lopes Jr. é mais radical e não aceita que seja atribuição dos juízes garantir a
ordem pública por meio de prisão antes de sentença penal condenatória
transitada em julgado, concluindo que as prisões com a finalidade de garantir a
ordem pública e a ordem econômica não são cautelares processuais e, portanto,
são substancialmente inconstitucionais.[7]
De novo
a pergunta: seria a garantia da ordem pública um fim legítimo a ser alcançado
pela prisão cautelar? Entende-se que não, e por várias razões. Destacam-se
duas: 1) o termo é tão vago que possibilita o atingimento da liberdade por
inúmeros motivos; 2) sua natureza não é cautelar instrumental, não visa
contribuir com as finalidades imediatas da persecução penal, ferindo a
presunção de inocência.
Contudo,
registra-se que apesar de se entender que a garantia da ordem pública não é um
fim legítimo para ser alcançado via prisão processual, em casos de rara exceção
é preciso intervir para acautelar o meio social. Seria lícito, por exemplo,
prender provisoriamente um franco-atirador ou um delinquente serial.
Entretanto, essa medida extrema e excepcional teria de ser circundada pelas
garantias fundamentais, e sua duração deveria ser tão só a necessária para a
apuração dos fatos em contraditório e em ampla defesa.
Tanto a
finalidade de garantir uma instrução criminal sem indevidas perturbações quanto
a de garantir que ao fim do processo, caso haja condenação, guardam
concordância com as finalidades imediatas da persecução criminal, ou seja, são
finalidades endoprocessuais. Em outras palavras, ambos os requisitos da prisão
preventiva têm natureza cautelar processual.
Ora,
tanto a subsunção prima facie quanto
a legitimidade do fim estariam, a priori,
satisfeitas. Passa-se então para a próxima pergunta: o meio escolhido contribui
de alguma forma para atingir o fim pretendido (conveniência da instrução
criminal ou garantia da aplicação da lei penal)?
A
resposta dependerá da análise do caso concreto. Eis um caso hipotético. Suponha
que o Ministério Público deu entrada numa representação pela prisão preventiva
de João por crime de peculato e formação de quadrilha, sob o fundamento de que,
caso solto, teria acesso a documentos e pessoas que poderiam servir de prova
contra si.
O juiz,
ao decidir se decreta ou não a prisão preventiva, após verificar se há prova da
materialidade e indícios suficientes de autoria, se não há nenhum impedimento
legal[8]
e se está presente a necessidade de garantir a conveniência da instrução
criminal, analisaria o seguinte: 1) O fim garantir a instrução criminal é
legítimo? Sim. 2) O meio prisão cautelar o impediria de ter acesso a documentos
e pessoas que poderiam servir de prova para sua condenação? Sim. 3) Existe
outro meio que seja menos gravoso que a prisão cautelar e que alcançaria a
finalidade? Sim. Por exemplo, o juiz poderia estabelecer que João não se
comunicasse com as pessoas tais e tais. Igualmente, poderia afastá-lo do cargo
público, além de determinar que não frequentasse tais e tais repartições
públicas. Ademais, poderia ordenar seu comparecimento regular em cartório.
Poderia decretar uma busca e apreensão de documentos e até mesmo a produção de
prova antecipada, em último caso.
Veja
que no caso hipotético descrito, ao se avançar para o exame da
proporcionalidade em sentido estrito, poder-se-ia sopesar se a produção
desimpedida de prova – admitindo para fins do presente estudo que a prisão
seria o único meio eficaz de sua produção – seria tão relevante a ponto de
justificar que se tirasse a liberdade de João. Primeiro, os crimes de peculato
e formação de quadrilha não comportam violência ou grave ameaça a pessoa. Segundo,
as penas privativas de liberdade dos crimes, cumuladas materialmente, variam de
três a quinze anos de reclusão. Se João é primário, sem antecedentes, é
provável que sua pena não exceda a oito anos e seu regime de pena seria
semiaberto. Se sua pena não excedesse a quatro anos, caberia substituição de
pena (art. 44 do CP). Ora, disso se pode concluir que a cautela é mais gravosa
do que a resposta final, o que tornaria a prisão cautelar desproporcional.
[1]
Sobre a necessidade de fins legítimos, remete-se o leitor ao tópico 2.5.2,
p. 43 e ss., do presente trabalho.
[2]
SOUZA, Marcelo Ferreira de. Segurança
Pública e Prisão Preventiva no Estado Democrático de Direito. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 17-18.
[3]
Segundo Pacheco, as finalidades imediatas da persecução criminal são demonstrar
a materialidade e a autoria do crime, iniciar o processo penal em sentido
estrito, obter uma sentença definitiva com trânsito em julgado e garantir os
direitos fundamentais do acusado. Vide: PACHECO. Denilson Feitosa. O princípio da Proporcionalidade no
Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007, p. 165.
[4]
PACHECO. Denilson Feitosa. O princípio
da Proporcionalidade no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 248.
[5]
PACHECO. Denilson Feitosa. O princípio
da Proporcionalidade no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 249.
[6]
DELMANTO, Fábio. Medidas Substitutivas e
Alternativas à Prisão Cautelar. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 159.
[7]
LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao
Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2004, p. 203.
[8]
Sobre os impedimentos estabelecidos por lei para a decretação da prisão cautelar, vide, no
presente trabalho, as páginas 87 e ss.

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