Um dos
grandes desafios no Processo é a testemunha de “ouvir dizer”. É que a
testemunha diz a verdade sobre o que souber e explicará “sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas
quais possa avaliar-se de sua credibilidade”. Então alguém pode simplesmente
afirmar que ouviu dizer que fulano de tal cometeu o crime e que ouviu isto do
povo na cidade. Até este ponto não teria problema se fosse levado em conta a
credibilidade da informação.
Ocorre que no momento de valoração da prova, como
no nosso sistema vigora o livre convencimento motivado, não há obstáculos para
que o julgador tome como certa a palavra de uma testemunha de “ouvir dizer”.
Contudo não deveria ser assim.
Por ocasião de um caso rumoroso fizemos um singelo
estudo sobre o valor do testemunho de “ouvir dizer”, que naquele caso,
infelizmente, foi levado em conta para pronunciar o réu por homicídio
triplamente qualificado. Assim argumentamos - a parte doutrinária - na defesa
final escrita:
A
boa doutrina reputa ao testemunho de ouvir dizer como uma não prova, pois na
verdade, esta não prova o fato, mas prova que alguém deve prová-lo, pois a maneira
indireta de apontar o conhecimento traz a necessidade de provar a existência do
mesmo. Vejamos as palavras do mestre italiano Malatesta que a este respeito
assim lançou em seu incontestável escólio processual:
A testemunha deve dar razão
de sua ciência, disseram os práticos, e dar a causa da ciência consiste
precisamente no determinar o como, quando, e onde da própria percepção. Ora, se
não se sabe como a percepção teve lugar, não se pode ter fé em sua exatidão.
Quanto a estes fatos, o
testemunho por ouvir dizer não é propriamente uma prova, não é senão uma prova
da prova deles, que pode ser valiosíssima, de outra prova sempre fraca, pois
produzida sem as vantagens e garantias inerentes à natureza judicial. E a soma
das insuficiências dos testemunhos crescerá proporcionalmente, à medida que
crescem os graus de inoriginalidade, como se trata de ouvir dizer de um
segundo, terceiro ou quarto grau. E a soma destas insuficiências crescerá
indefinidamente, se o ouvir dizer se perder em origens indeterminadas e
anônimas.[1]
O
ilustre doutrinador Mittermaier, ao tratar da prova testemunhal, asseverou que,
“a força probante do testemunho origina-se da presunção de que aquele que o dá
pode observar com exatidão, e quis declarar a verdade [2].
Quando o indivíduo, ou não presenciou o fato, ou não quis falar a verdade “seu
depoimento (...) não pode mais decidir uma sentença afirmativa; se o juiz tem o
direito de ouvi-las é só a título de informações”. [3]
É
o que ocorre com as declarações de “ouvir dizer”! Elas só devem servir para
indicar um caminho para uma prova. É meio, nunca fonte de prova. Seu depoimento
tem valor em relação à fonte de seu conhecimento, mas não sobre o fato
delituoso. Se A afirma em juízo ter ouvido dizer de B que C matou D, a
declaração de A somente pode servir para atestar que B disse que C matou D,
nunca para provar que C matou D. O mesmo Mittermaier, em passagem posterior
afirmou:
O testemunho não merece
crédito, senão apoiando-se na observação pessoal de quem o dá; daqui segue-se
que deve ser perguntado sobre o fundamento de seu conhecimento dos fatos. Vê-se
freqüentemente pessoas muito dignas afirmarem o que ouviram de outras não menos
dignas, de modo a deixarem involuntariamente crer que foram testemunhas do fato
(...).[4]
Manzini,
citado por Camargo Aranha, também reputa valor nenhum à testemunha de ouvir
dizer, vejamos:
No entender de Manzini testemunha somente é a pessoa que depõe sobre
um fato presenciado, daí porque o ilustre mestre não reconhecia a testemunha
indireta, afirmando ser ela mera informante a partir da qual pode-se chegar à
verdadeira testemunha. [5]
O
mestre Fernando Tourinho trabalha a referida testemunha por ouvir dizer da
seguinte forma:
Indireta, quando depõe sobre
os fatos cuja existência sabe por ouvir dizer. É a testemunha de auditu, ou
“testemunhos de ouvir dizer”. Quanto a estes, hearsay is no evidence, os
americanos não lhes dão valor. E o art. 129 do CPP português dispõe não servir
como meio de prova o testemunho da pessoa que não indicar a fonte pela qual
tomou conhecimento do ocorrido. Em última análise, trata-se da proibição da
testemunha “por ouvir dizer”[6].
Por vivência pessoal já foi quase um padrão ouvir na audiência este tipo de pergunta:O que já foi um padrão: “mas, você não sabe de nada? Nem por ‘ouvir
dizer’?”. O
depoimento de “ouvir dizer” continua sendo um desafio, apesar de
reconhecermos que boa parte dos magistrados têm rejeitado como prova a testemunha de “ouvir
dizer”.
Atualmente, você ainda ouve esse tipo de indagação?
[1] MALATESTA, Nicola Framarino Del. A
lógica das provas em matéria criminal. São Paulo: Conan editora, 1995, p.87-89.
[2] C.J.A. MITTERMAIER. Tratado na Prova em Processo Crimina – 2ª Tiragem. Campinas-SP:
Bookseller. 1997. p. 249.
[3] C.J.A. MITTERMAIER. Tratado na Prova em Processo Crimina – 2ª Tiragem. Campinas-SP:
Bookseller. 1997. p. 249.
[4] C.J.A. MITTERMAIER. Tratado na Prova em Processo Criminal – 2ª Tiragem. Campinas-SP:
Bookseller. 1997. p. 274.
[5] Da prova no processo penal – Adalberto
José Q.T. Camargo Aranha, São Paulo:
Saraiva, 5.ed.1999, p.143
[6] TOURINHO. Fernando da Costa Filho.
Processo Penal. vol. 3. 27ª Ed. ver. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2005, p.
307/308.

Muito bom! Com imensa clareza e uma natureza educacional fantástica.
ResponderExcluirImportante o conteúdo do texto. Então, posso concluir que o depoimento de uma testemunha, torna-se um risco para quem inquiriu?
ResponderExcluir