Erguer as Mãos que Pendem

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quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

TESTEMUNHA DE "OUVIR DIZER"



Um dos grandes desafios no Processo é a testemunha de “ouvir dizer”. É que a testemunha diz a verdade sobre o que souber e explicará “sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade”. Então alguém pode simplesmente afirmar que ouviu dizer que fulano de tal cometeu o crime e que ouviu isto do povo na cidade. Até este ponto não teria problema se fosse levado em conta a credibilidade da informação.
Ocorre que no momento de valoração da prova, como no nosso sistema vigora o livre convencimento motivado, não há obstáculos para que o julgador tome como certa a palavra de uma testemunha de “ouvir dizer”. Contudo não deveria ser assim.
Por ocasião de um caso rumoroso fizemos um singelo estudo sobre o valor do testemunho de “ouvir dizer”, que naquele caso, infelizmente, foi levado em conta para pronunciar o réu por homicídio triplamente qualificado. Assim argumentamos - a parte doutrinária - na defesa final escrita:
A boa doutrina reputa ao testemunho de ouvir dizer como uma não prova, pois na verdade, esta não prova o fato, mas prova que alguém deve prová-lo, pois a maneira indireta de apontar o conhecimento traz a necessidade de provar a existência do mesmo. Vejamos as palavras do mestre italiano Malatesta que a este respeito assim lançou em seu incontestável escólio processual:
A testemunha deve dar razão de sua ciência, disseram os práticos, e dar a causa da ciência consiste precisamente no determinar o como, quando, e onde da própria percepção. Ora, se não se sabe como a percepção teve lugar, não se pode ter fé em sua exatidão.
Quanto a estes fatos, o testemunho por ouvir dizer não é propriamente uma prova, não é senão uma prova da prova deles, que pode ser valiosíssima, de outra prova sempre fraca, pois produzida sem as vantagens e garantias inerentes à natureza judicial. E a soma das insuficiências dos testemunhos crescerá proporcionalmente, à medida que crescem os graus de inoriginalidade, como se trata de ouvir dizer de um segundo, terceiro ou quarto grau. E a soma destas insuficiências crescerá indefinidamente, se o ouvir dizer se perder em origens indeterminadas e anônimas.[1]

O ilustre doutrinador Mittermaier, ao tratar da prova testemunhal, asseverou que, “a força probante do testemunho origina-se da presunção de que aquele que o dá pode observar com exatidão, e quis declarar a verdade [2]. Quando o indivíduo, ou não presenciou o fato, ou não quis falar a verdade “seu depoimento (...) não pode mais decidir uma sentença afirmativa; se o juiz tem o direito de ouvi-las é só a título de informações”. [3]
É o que ocorre com as declarações de “ouvir dizer”! Elas só devem servir para indicar um caminho para uma prova. É meio, nunca fonte de prova. Seu depoimento tem valor em relação à fonte de seu conhecimento, mas não sobre o fato delituoso. Se A afirma em juízo ter ouvido dizer de B que C matou D, a declaração de A somente pode servir para atestar que B disse que C matou D, nunca para provar que C matou D. O mesmo Mittermaier, em passagem posterior afirmou:
O testemunho não merece crédito, senão apoiando-se na observação pessoal de quem o dá; daqui segue-se que deve ser perguntado sobre o fundamento de seu conhecimento dos fatos. Vê-se freqüentemente pessoas muito dignas afirmarem o que ouviram de outras não menos dignas, de modo a deixarem involuntariamente crer que foram testemunhas do fato (...).[4]

Manzini, citado por Camargo Aranha, também reputa valor nenhum à testemunha de ouvir dizer, vejamos:
No entender de Manzini  testemunha somente é a pessoa que depõe sobre um fato presenciado, daí porque o ilustre mestre não reconhecia a testemunha indireta, afirmando ser ela mera informante a partir da qual pode-se chegar à verdadeira testemunha. [5]

O mestre Fernando Tourinho trabalha a referida testemunha por ouvir dizer da seguinte forma:
Indireta, quando depõe sobre os fatos cuja existência sabe por ouvir dizer. É a testemunha de auditu, ou “testemunhos de ouvir dizer”. Quanto a estes, hearsay is no evidence, os americanos não lhes dão valor. E o art. 129 do CPP português dispõe não servir como meio de prova o testemunho da pessoa que não indicar a fonte pela qual tomou conhecimento do ocorrido. Em última análise, trata-se da proibição da testemunha “por ouvir dizer”[6].

Por vivência pessoal já foi quase um padrão ouvir na audiência este tipo de pergunta:O que já foi um padrão: “mas, você não sabe de nada? Nem por ‘ouvir dizer’?”. O depoimento de “ouvir dizer” continua sendo um desafio, apesar de reconhecermos que boa parte dos magistrados têm rejeitado como prova a testemunha de “ouvir dizer”. 

Atualmente, você ainda ouve esse tipo de indagação?


[1] MALATESTA, Nicola Framarino Del. A lógica das provas em matéria criminal. São Paulo: Conan editora, 1995, p.87-89.
[2] C.J.A. MITTERMAIER. Tratado na Prova em Processo Crimina – 2ª Tiragem. Campinas-SP: Bookseller. 1997. p. 249.
[3] C.J.A. MITTERMAIER. Tratado na Prova em Processo Crimina – 2ª Tiragem. Campinas-SP: Bookseller. 1997. p. 249.
[4] C.J.A. MITTERMAIER. Tratado na Prova em Processo Criminal – 2ª Tiragem. Campinas-SP: Bookseller. 1997. p. 274.
[5] Da prova no processo penal – Adalberto José  Q.T. Camargo Aranha, São Paulo: Saraiva, 5.ed.1999, p.143
[6] TOURINHO. Fernando da Costa Filho. Processo Penal. vol. 3. 27ª Ed. ver. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2005, p. 307/308.

2 comentários:

  1. Muito bom! Com imensa clareza e uma natureza educacional fantástica.

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  2. Importante o conteúdo do texto. Então, posso concluir que o depoimento de uma testemunha, torna-se um risco para quem inquiriu?

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