Pense na seguinte situação: O Ministério Público protocola a denúncia. O juiz recebe a denúncia. O acusado é citado para oferecer em dez dias a resposta à acusação. Indagamos: Poderia o juiz, após analisar a resposta à acusação, voltar atrás e rejeitar a denúncia?
Não tem sido incomum alguns magistrados entenderem que após o recebimento da denúncia não seria mais possível, mesmo após a resposta à acusação, rever sua "decisão" e rejeitar a denúncia.
O entendimento tem como base que o processo é um andar para frente. Logo, depois de decidir sobre uma determinada situação (recebimento da denúncia) o juízo não poderia retroceder. Logo, se a parte pretende a rejeição de uma denúncia que já foi recebida, teria que “recorrer” a uma instância superior, no caso, por meio de habeas corpus.
Mas, para nós essa linha de raciocínio não deve prevalecer. Explicamos:
No que pese o Juízo já ter feito o despacho inicial de recebimento da denúncia, é certo que após a resposta à acusação com os argumentos da defesa, é possível fazer um reexame do despacho, ou como se tem denominado uma rejeição tardia da denúncia.
Inclusive, ordena a legislação, que a defesa por ocasião da resposta à acusação levante toda a matéria de defesa e, por conseguinte, preliminares. Vejamos:
Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
Qual seria o sentido de após o recebimento da denúncia, o Legislador indicar que a defesa pode levantar preliminares se elas não seriam mais conhecidas naquele momento?
Nesse sentido vejamos as palavras de Antônio Scarance e Gustavo Badaró, respectivamente:
Nas
palavras de Antônio Scarance Fernandes e Mariângela Lopes, não teria sentido
abrir oportunidade ao acusado para a sua resposta, na qual pode alegar qualquer
matéria em sua defesa, inclusive as que possibilitam a rejeição da denúncia ou
queixa, se o juiz não pudesse mais rejeitar a acusação (O recebimento da
denúncia no novo procedimento. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 190,
págs. 2-3, set. 2008).
Essa
também é a lição de Gustavo Badaró:
[...]
Não há qualquer sentido, do ponto de vista
da limitação à atividade cognitiva, que o juiz, após o recebimento da denúncia,
possa rever tal decisão, mediante exceção, no que toca à ilegitimidade de
parte, mas não possa fazer o mesmo com a impossibilidade jurídica do pedido, a
inépcia da denúncia ou queixa ou qualquer outra questão de ordem pública. O
juiz poderá dizer, "considerei que o autor era parte legítima, mas agora,
diante da resposta do acusado, percebo que se tratava de parte ilegítima, por
isso, extingo o processo", mas não pode fazer o mesmo com relação à
possibilidade jurídica do pedido ou a inépcia da denúncia? Diante da nova sistemática
adotada no procedimento comum ordinário, com possibilidade de se alegar
questões preliminares na resposta escrita e de haver absolvição sumária, é
chegado o momento de uma evolução interpretativa, para admitir que o juiz tenha
possibilidade de rever sua decisão de recebimento da denúncia ou queixa .
As
condições da ação e os pressupostos processuais são matérias de ordem pública,
que o juiz pode conhecer a qualquer tempo ou grau de jurisdição,
independentemente de provocação das partes. Não há vinculação do juiz com a
decisão anterior que recebeu a denúncia, nos termos do art. 396,
caput, do CPP, vez que
inexiste preclusão ou qualquer outro mecanismo que torne o ato imutável ou não
passível de reforma.
(Rejeição
da denúncia ou queixa e absolvição sumária na reforma do CPP. RBCCrim. São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 76, pág. 173)
Os Tribunais e inclusive o Superior Tribunal de Justiça têm entendido que é possível a rejeição tardia da denúncia, ou seja, depois de recebida a denúncia, com a resposta a acusação, o juiz pode rejeitar a denúncia. VEJAMOS ALGUNS PRECEDENTES:
Se
é admitido o afastamento das questões preliminares suscitadas na defesa prévia,
no momento definido no art. 397 do Código de Processo Penal,
também deve ser considerado admissível o seu acolhimento, com a extinção do
processo sem julgamento do mérito, terminologia que penso inclusive mais
apropriada.
Ressalta-se
que no julgamento do HC n. 150.925/PE, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
consignou que é na oportunidade do art. 397 do CPP que o Juiz
deverá se manifestar com mais vagar sobre as teses suscitadas pelo acusado,
caso alguma preliminar, exceção ou excludente de ilicitude ou de culpabilidade
sejam suscitadas em defesa prévia para contestar a admissibilidade ab initio da
persecução penal, ou verificar a possibilidade de absolvição sumária (Quinta
Turma, DJe 17/5/2010).
E
também o Ministro Felix Fischer, em precedente referido, inclusive, no próprio
acórdão recorrido:
[...]
Não
obstante, com a inovação trazida ao procedimento, não mais se limita a defesa a
apresentar defesa prévia, de conteúdo reduzido que, na práxis, não implicava,
regra geral, em atuação defensiva relevante. Agora, a teor do disposto no art.
396-A do CPP, poderá o
acusado "arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua
defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas
e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando
necessário. "
Abre-se,
então, ao Magistrado, a possibilidade de absolver sumariamente o réu quando
verificar: i) a existência manifesta de causa excludente da ilicitude; ii)
a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente,
salvo inimputabilidade; iii) que o fato narrado não constitui crime ou iv)
extinta a punibilidade do agente. Poderá também, segundo preconiza
abalizada doutrina, rever, após as alegações defensivas, a presença das
condições da ação e pressupostos processuais .
(HC
n. 138.089/SC, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 22/3/2010.
ADV: WANK REMY DE SENA MEDRADO (OAB 23766/BA), WAGNER RENI DE SENA MEDRADO (OAB 24253/BA) - Processo 0307565-23.2013.8.05.0146 - Ação Penal - Procedimento Ordinário - Crimes contra a vida - RÉU: Edmilson Barbosa Cardoso - Laerte Valentim dos Reis - Geraldo Gomes Andrade - DECISÃO INTERLOCUTÓRIA Processo nº:0307565-23.2013.8.05.0146 Classe Assunto:Ação Penal - Procedimento Ordinário - Crimes contra a vida. (...)
Não obstante o entendimento majoritário de que o momento oportuno para a rejeição da denúncia seja no primeiro momento em que o juiz tenha contato com a peça acusatória, ou seja, antes da determinação da citação, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo pela possibilidade de rejeição tardia da denúncia, após a manifestação defensiva em sede de resposta à acusação. E de outro modo não poderia ser, vez que a resposta à acusação é a primeira oportunidade que a defesa tem de se manifestar nos autos e, por conseguinte, convencer o magistrado da ausência de justa causa em sentido lato. Impende ressaltar que as hipóteses de absolvição sumária pelo artigo 397 do CPP são totalmente distintas das hipóteses que ensejam a rejeição da denúncia do artigo 395 do mesmo código. Desse modo, inadmitir-se a rejeição tardia é o mesmo que restringir o direito de defesa do acusado, vez que impossibilitaria-se a defesa de convencer o magistrado da ocorrência de uma das hipóteses do artigo 395 do CPP, pois, mesmo que o magistrado vislumbrasse a ausência de justa causa com o oferecimento da resposta à acusação, nada mais poderia fazer, o que denota uma restrição à defesa do réu. Ora, é evidente que a finalidade da resposta à acusação seja aquela prevista no artigo 4º da Lei 8.038/90, seja a mais recente de que trata o artigo 396 do CPP , é evitar a instauração e o prosseguimento de Ação Penal quando já se tenha, desde o alvorecer desta, a improcedência da acusação como decisão inexorável. Não fosse assim, repita-se, de nenhuma valia seriam as normas instituídas pelos artigos 396 e 397 do Código de Processo Penal, e uma vez satisfeitas as condições formais da inicial acusatória a instrução criminal seria indeclinável, ainda que o denunciado demonstrasse de forma cabal a improcedência das imputações que lhe foram endereçadas.
(...)
Com efeito, inexiste lastro probatório mínimo de autoria em relação aos acusados. Pelo posto, considerando que não há justa causa para o recebimento da inicial acusatória, REJEITO A PRESENTE DENÚNCIA com fundamento nos arts. 494, § 4º, e 395, inciso III, do Código de Processo Penal. Revogo as prisões preventiva ora decretadas, determinando que se oficie à POLINTER para recolhimento dos mandados, caso existentes. P.R.I Juazeiro (BA), 07 de julho de 2014. Roberto Paranhos Nascimento Juiz de Direito
Portanto,
como dito, mesmo após o recebimento da denúncia, após ouvir a defesa, o juiz
pode fazer novo exame e rejeitar a denúncia. Pensar ao contrário é fazer de letra
morta o dispositivo do artigo 396 do Código de Processo Penal e colocar de lado
a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa.

Muito esclarecedor parabéns...Boa postagem.
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