Erguer as Mãos que Pendem

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sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Prisão Preventiva: regra ou medida excepcional?




Mesmo após o advento da Lei 12.403/2011, que positivou uma nova sistemática em relação a medidas cautelares no processo penal, trazendo um rol de medidas cautelares substitutivas, por que o estado-juiz ainda utiliza tanto a prisão preventiva!?!
Ora, tendo o Estado feito a opção de instituir a prisão processual, deve rodeá-la de limitações para que o aplicador da lei não abuse do poder de cautela e venha a ferir os núcleos de diversos direitos e garantias fundamentais.
A Corte Constitucional Alemã, segundo Gilmar Mendes, firmou entendimento que as decisões tomadas pelo Judiciário, com base na lei, estão submetidas ao controle da proporcionalidade. Em suas palavras, “significa dizer que qualquer medida concreta que afete os direitos fundamentais há de mostrar-se compatível com o princípio da proporcionalidade”. [1]
Barroso entende que a razoabilidade (ou proporcionalidade, já que para ele são termos fungíveis) permite que o Judiciário faça o controle dos atos normativos do Poder Legislativo, dos atos da Administração Pública, e acrescenta que “também no domínio do Poder Judiciário o princípio teve aplicabilidade, notadamente no tratamento das medidas cautelares”.[2]
No tocante ao processo penal e às medidas cautelares, o princípio da proporcionalidade serve como critério de constitucionalidade da medida restritiva da garantia fundamental de liberdade. Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes afirma que “uma das mais relevantes funções que o princípio da proporcionalidade está apto a desempenhar (...) é a de servir de parâmetro da constitucionalidade e convencionalidade de todas as restrições aos direitos fundamentais”.[3]
O fato é que, à luz da atual processualística penal, devem ser revistas todas as medidas cautelares restritivas de liberdade, sendo certo que a prisão preventiva é medida aplicada em último caso, após demonstração que outras medidas cautelares não seriam suficientes para atingir o fim pretendido com a cautela processual.
Vale dizer que tal processualística há muito já era inerente implicitamente ao processo penal conforme os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, mas que finalmente foi positivada pela Lei 12.403/2011, já de total subsunção ao sistema cautelar vigente, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal, especialmente no que concerne às medidas cautelares constritivas de liberdade.
            Pois bem, a nova Lei, como já mencionado, tão somente positivou o que outrora já vigorava na doutrina e jurisprudência do Pretório Excelso, ou seja, que a prisão cautelar e demais medidas, devam se adequar aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
            Dessa forma, a prisão preventiva será a última medida cautelar a ser aplicada pelo magistrado de forma coercitiva para o bom andamento do processo de uma forma geral. Porém, reparem que a prisão preventiva continua sendo utilizada amplamente e até mesmo como meio para se conseguir determinados fins. Vou me ater a citar Ives Gandra Martins:
Não é possível utilizar a medida excepcionalíssima fora dos requisitos que a autorizam, para forçar a delação premiada, mesmo que o acusado não deseje fazê-la ou não tenha o que delatar. Tal procedimento, além de macular o direito de defesa e subverter o princípio da presunção da inocência, passa a ser uma espécie de tortura sofisticada do século 21. [4]

Pois é senhores, do que adiantam novas leis se a mentalidade continua a mesma?



[1] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 69-70.
[2] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 233-236 e 252-253.
[3] GOMES, Luiz Flávio, MARQUES, Ivan Luiz (Coords). Prisão e Medidas Cautelares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 43.
[4] MARTINS, Ives Granda da Silva. O Direito de defesa e a crise brasileira. Vide : http://juseconomico.com.br/colunas/o-direito-de-defesa-e-a-crise-brasileira. Acesso em 20 de agosto de 2015.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

REJEIÇÃO TARDIA DA DENÚNCIA



 

 

Pense na seguinte situação: O Ministério Público protocola a denúncia. O juiz recebe a denúncia. O acusado é citado para oferecer em dez dias a resposta à acusação. Indagamos: Poderia o juiz, após analisar a resposta à acusação, voltar atrás e rejeitar a denúncia?

Não tem sido incomum alguns magistrados entenderem que após o recebimento da denúncia não seria mais possível, mesmo após a resposta à acusação, rever sua "decisão" e rejeitar a denúncia.

O entendimento tem como base que o processo é um andar para frente. Logo, depois de decidir sobre uma determinada situação (recebimento da denúncia) o juízo não poderia retroceder. Logo, se a parte pretende a rejeição de uma denúncia que já foi recebida, teria que “recorrer” a uma instância superior, no caso, por meio de habeas corpus.

Mas, para nós essa linha de raciocínio não deve prevalecer. Explicamos:

No que pese o Juízo já ter feito o despacho inicial de recebimento da denúncia, é certo que após a resposta à acusação com os argumentos da defesa, é possível fazer um reexame do despacho, ou como se tem denominado uma rejeição tardia da denúncia.

Inclusive, ordena a legislação, que a defesa por ocasião da resposta à acusação levante toda a matéria de defesa e, por conseguinte, preliminares. Vejamos:

Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

 

Qual seria o sentido de após o recebimento da denúncia, o Legislador indicar que a defesa pode levantar preliminares se elas não seriam mais conhecidas naquele momento?

Nesse sentido vejamos as palavras de Antônio Scarance e Gustavo Badaró, respectivamente:

Nas palavras de Antônio Scarance Fernandes e Mariângela Lopes, não teria sentido abrir oportunidade ao acusado para a sua resposta, na qual pode alegar qualquer matéria em sua defesa, inclusive as que possibilitam a rejeição da denúncia ou queixa, se o juiz não pudesse mais rejeitar a acusação (O recebimento da denúncia no novo procedimento. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 190, págs. 2-3, set. 2008).
Essa também é a lição de Gustavo Badaró:
[...]
Não há qualquer sentido, do ponto de vista da limitação à atividade cognitiva, que o juiz, após o recebimento da denúncia, possa rever tal decisão, mediante exceção, no que toca à ilegitimidade de parte, mas não possa fazer o mesmo com a impossibilidade jurídica do pedido, a inépcia da denúncia ou queixa ou qualquer outra questão de ordem pública. O juiz poderá dizer, "considerei que o autor era parte legítima, mas agora, diante da resposta do acusado, percebo que se tratava de parte ilegítima, por isso, extingo o processo", mas não pode fazer o mesmo com relação à possibilidade jurídica do pedido ou a inépcia da denúncia? Diante da nova sistemática adotada no procedimento comum ordinário, com possibilidade de se alegar questões preliminares na resposta escrita e de haver absolvição sumária, é chegado o momento de uma evolução interpretativa, para admitir que o juiz tenha possibilidade de rever sua decisão de recebimento da denúncia ou queixa .
As condições da ação e os pressupostos processuais são matérias de ordem pública, que o juiz pode conhecer a qualquer tempo ou grau de jurisdição, independentemente de provocação das partes. Não há vinculação do juiz com a decisão anterior que recebeu a denúncia, nos termos do art. 396, caput, do CPP, vez que inexiste preclusão ou qualquer outro mecanismo que torne o ato imutável ou não passível de reforma.
(Rejeição da denúncia ou queixa e absolvição sumária na reforma do CPP. RBCCrim. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 76, pág. 173)

 

Os Tribunais e inclusive o Superior Tribunal de Justiça têm entendido que é possível a rejeição tardia da denúncia, ou seja, depois de recebida a denúncia, com a resposta a acusação, o juiz pode rejeitar a denúncia. VEJAMOS ALGUNS PRECEDENTES:

 

Se é admitido o afastamento das questões preliminares suscitadas na defesa prévia, no momento definido no art. 397 do Código de Processo Penal, também deve ser considerado admissível o seu acolhimento, com a extinção do processo sem julgamento do mérito, terminologia que penso inclusive mais apropriada.
Ressalta-se que no julgamento do HC n. 150.925/PE, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho consignou que é na oportunidade do art. 397 do CPP que o Juiz deverá se manifestar com mais vagar sobre as teses suscitadas pelo acusado, caso alguma preliminar, exceção ou excludente de ilicitude ou de culpabilidade sejam suscitadas em defesa prévia para contestar a admissibilidade ab initio da persecução penal, ou verificar a possibilidade de absolvição sumária (Quinta Turma, DJe 17/5/2010).
E também o Ministro Felix Fischer, em precedente referido, inclusive, no próprio acórdão recorrido:
[...]
Não obstante, com a inovação trazida ao procedimento, não mais se limita a defesa a apresentar defesa prévia, de conteúdo reduzido que, na práxis, não implicava, regra geral, em atuação defensiva relevante. Agora, a teor do disposto no art. 396-A do CPP, poderá o acusado "arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. "
Abre-se, então, ao Magistrado, a possibilidade de absolver sumariamente o réu quando verificar: i) a existência manifesta de causa excludente da ilicitude; ii) a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; iii) que o fato narrado não constitui crime ou iv) extinta a punibilidade do agente. Poderá também, segundo preconiza abalizada doutrina, rever, após as alegações defensivas, a presença das condições da ação e pressupostos processuais .
(HC n. 138.089/SC, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 22/3/2010.

 

ADV: WANK REMY DE SENA MEDRADO (OAB 23766/BA), WAGNER RENI DE SENA MEDRADO (OAB 24253/BA) - Processo 0307565-23.2013.8.05.0146 - Ação Penal - Procedimento Ordinário - Crimes contra a vida - RÉU: Edmilson Barbosa Cardoso - Laerte Valentim dos Reis - Geraldo Gomes Andrade - DECISÃO INTERLOCUTÓRIA Processo nº:0307565-23.2013.8.05.0146 Classe Assunto:Ação Penal - Procedimento Ordinário - Crimes contra a vida. (...)

Não obstante o entendimento majoritário de que o momento oportuno para a rejeição da denúncia seja no primeiro momento em que o juiz tenha contato com a peça acusatória, ou seja, antes da determinação da citação, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo pela possibilidade de rejeição tardia da denúncia, após a manifestação defensiva em sede de resposta à acusação. E de outro modo não poderia ser, vez que a resposta à acusação é a primeira oportunidade que a defesa tem de se manifestar nos autos e, por conseguinte, convencer o magistrado da ausência de justa causa em sentido lato. Impende ressaltar que as hipóteses de absolvição sumária pelo artigo 397 do CPP são totalmente distintas das hipóteses que ensejam a rejeição da denúncia do artigo 395 do mesmo código. Desse modo, inadmitir-se a rejeição tardia é o mesmo que restringir o direito de defesa do acusado, vez que impossibilitaria-se a defesa de convencer o magistrado da ocorrência de uma das hipóteses do artigo 395 do CPP, pois, mesmo que o magistrado vislumbrasse a ausência de justa causa com o oferecimento da resposta à acusação, nada mais poderia fazer, o que denota uma restrição à defesa do réu. Ora, é evidente que a finalidade da resposta à acusação seja aquela prevista no artigo da Lei 8.038/90, seja a mais recente de que trata o artigo 396 do CPP , é evitar a instauração e o prosseguimento de Ação Penal quando já se tenha, desde o alvorecer desta, a improcedência da acusação como decisão inexorável. Não fosse assim, repita-se, de nenhuma valia seriam as normas instituídas pelos artigos 396 e 397 do Código de Processo Penal, e uma vez satisfeitas as condições formais da inicial acusatória a instrução criminal seria indeclinável, ainda que o denunciado demonstrasse de forma cabal a improcedência das imputações que lhe foram endereçadas.

(...)

Com efeito, inexiste lastro probatório mínimo de autoria em relação aos acusados. Pelo posto, considerando que não há justa causa para o recebimento da inicial acusatória, REJEITO A PRESENTE DENÚNCIA com fundamento nos arts. 494, § 4º, e 395, inciso III, do Código de Processo Penal. Revogo as prisões preventiva ora decretadas, determinando que se oficie à POLINTER para recolhimento dos mandados, caso existentes. P.R.I Juazeiro (BA), 07 de julho de 2014. Roberto Paranhos Nascimento Juiz de Direito


Portanto, como dito, mesmo após o recebimento da denúncia, após ouvir a defesa, o juiz pode fazer novo exame e rejeitar a denúncia. Pensar ao contrário é fazer de letra morta o dispositivo do artigo 396 do Código de Processo Penal e colocar de lado a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa.