Erguer as Mãos que Pendem

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terça-feira, 2 de junho de 2015

A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA





(Em homenagem e agradecimento aos queridos alunos do terceiro período da SEUNE)

É com certa frequência que nos chega à análise casos de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, que o acusado alega que portava a arma para sua autodefesa. Normalmente eles são comerciantes que transitam, regularmente, por lugares de notório risco e com certa quantia em dinheiro. Na maioria das vezes, já foram assaltados transitando por esses lugares. Na maioria das vezes, esses lugares não são alcançados pela segurança pública. No caso deles, portar arma sem autorização é crime? Em outras palavras, eles devem ser condenados?
Como sabido para que se configure um crime punível com uma pena, faz-se necessário a presença de três caracteres, a saber: Fato típico, fato ilícito e culpabilidade.
Para que exista culpabilidade é preciso a coexistência de três elementos: 1) Imputabilidade; 2) Potencial consciência da ilicitude do fato e 3) Exigibilidade de conduta diversa.
Vamos ver como funciona a inexigibilidade de conduta diversa, como causa excludente de culpabilidade.
Segundo Damásio, “a conduta só é reprovável quando podendo o sujeito realizar comportamento diverso, de acordo com a ordem jurídica, realiza outro, proibido.”[1]
Damásio de Jesus, em lição didática, explicita a natureza jurídica e defende a aplicação desta causa supralegal de excludente de culpabilidade, vejamos:
Se a conduta não é culpável, por ser inexigível outra, a punição seria injusta, pois não há pena sem culpa. Daí ser possível a adoção da teoria da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. [2]
A inexigibilidade de conduta diversa é a mais importante excludente de culpabilidade existente no ordenamento jurídico-penal pátrio.  Segundo Ney Moura Teles “é princípio geral que impede a tipificação dos fatos normais da vida, (...) que exclui a reprovabilidade de certas condutas típicas e ilícitas”.[3]
Francisco de Assis Toledo, em seu magistério explicita que não age com culpabilidade que está sob o manto da inexigibilidade de conduta diversa, não devendo tal pessoa receber reprimenda penal, vejamos:
Não age cupavelmente – nem deve ser portanto penalmente responsabilizado pelo fato – aquele que, no momento da ação ou da omissão, não poderia, nas circunstâncias, ter agido de outro modo, porque, dentro do que nos é comumente revelado pela humana experiência, não lhe era exigível comportamento diverso. A inexigibilidade de outra conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de exclusão de culpabilidade.[4]

Quando analisamos as decisões dos diversos Tribunais pátrios percebemos a aceitação da excludente para os mais variados crimes. Vejamos alguns casos:
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA
PENAL – PROCESSO PENAL – APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA – Artigo 168-a, caput, Código Penal - Só- cio-gerente tinha ciência do não repasse das contribuições sociais previdenciárias para o INSS - Dificuldade financeiras da sociedade empresária - Inexigibilidade de conduta diversa - Causa de exclusão de culpabilidade - Manutenção da sentença - Recurso do ministério público improvido. (TRF 2ª R. – ACr 2000.50.01.005777-4 – 2ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto – DJU 26.02.2007 – p. 219) JCP.168ª

PENAL – CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA – NÃO REPASSE AOS COFRES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DAS CONTRIBUIÇÕES DESCONTADAS DOS EMPREGADOS – CRIME OMISSIVO PRÓPRIO – PRESCINDIBILIDADE DE DOLO ESPECÍFICO – DIFICULDADES FINANCEIRAS COMPROVADAS – INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA – RECURSO PROVIDO – O crime de apropriação indébita previdenciária é classificado como omissivo próprio. A simples omissão no repasse ao INSS das contribuições recolhidas dos empregados acarreta a consumação do tipo penal em análise, não se exigindo dolo específico, fraude ou qualquer prejuízo efetivo. Comprovada a participação na administração da empresa no período do débito, somente a comprovação de dificuldades pelas quais enfrentava a empresa é que poderia ensejar uma excludente de culpabilidade dos administradores, sendo tal comprovação ônus da defesa. Para fins de exclusão de culpabilidade, torna-se imprescindível a prova absoluta das dificuldades financeiras. Referências genéricas não se prestam a tal intento. Comprovadas as dificuldades financeiras a justificar a falta de repasse das contribuições sociais, impõe-se a absolvição dos réus por inexigibilidade de conduta diversa. Recurso a que se dá provimento. (TRF 2ª R. – ACr 2001.51.01.527979-2 – 1ª T.Esp. – Relª Desª Fed. Maria Helena Cisne – DJU 19.01.2007 – p. 167) (grifamos)

TRÁFICO DE DROGAS
COMPANHEIRA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. TRAFICO ILICITO DE ENTORPECENTE. ABSOLVICAO. Apelação Criminal. Companheira de traficante condenada a prática do crime previsto no art. 12 da Lei 6.368/76. Inexistência de provas de que a mesma estivesse em união de desígnios com o 2. denunciado. O simples fato da acusada residir no local onde foi apreendido o material entorpecente não pode, por si só, ensejar sua condenação. Inexistência de prova quanto ao fato da apelante ter concorrido para o crime. Mesmo sabendo que o companheiro guardava o material entorpecente dentro da residência, era inexigível conduta diversa pela apelante que afirma ser aquele o proprietário do material apreendido. Recurso conhecido e provido para absolver a apelante A.T.S. na forma do artigo 386, VI do CPP. Expedindo-se imediatamente alvará de soltura, a ser cumprido se por "AL" não estiver presa. (TJRJ. AC - 2006.050.02604. JULGADO EM 08/03/2007. RECURSO EXTRAORDINARIO - Unanime. RELATORA: DESEMBARGADORA ROSITA MARIA DE OLIVEIRA NETTO)

E, por óbvio, aplica-se ao crime de porte ou posse ilegal de arma de fogo. Vejamos:
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ.
Há justificante supra legal, inexigibilidade de conduta diversa, que confirma que "a lei não esgota o direito", não sendo razoável condenação de pessoa de bem que mantém, em sítio no "hinterland" fluminense, em ambiente rural, espingarda de caça desmuniciada, e alguns animais da fauna nativa cativos (dois porquinhos do mato abandonados, e algumas poucas aves) os quais não poderiam ser devolvidos à natureza, por não terem presumivelmente condições de sobreviverem autonomamente. 
Não há pena mais injusta, que a pena inútil.  Recurso defensivo provido. 
Rio de Janeiro, 17 de maio de 2005. 
Des. EDUARDO MAYR - Presidente e Relator 
(Fonte: Revista de Direito do TJRJ nº 66) 

TJRJ - APELACAO : APL 216 RJ 2009.050.00216
POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO COM NUMERAÇÃO RASPADA E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IRESSIGNAÇÃO DO PARQUET. VÍNCULO UNICAMENTE SÓCIO-AFETIVO DA ACUSADA COM O CO-RÉU, AUTOR CONFESSO DOS CRIMES ACIMA DESCRITOS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA QUE SE MANTÉM. 1. A acusada foi presa juntamente com dois co-réus, após apreensão de grande quantidade de armamentos pesados na residência em que moravam, realizada pela polícia, após denúncia anônima. A autoria foi confessada pelo marido da apelada, condenado anteriormente por crime de tráfico.2. Embora improvável que a apelada desconhecesse as atividades ilícitas do marido, e, diante da quantidade e vulto dos armamentos apreendidos ignorasse a existência destes, nada mais há de indícios de autoria que o vínculo afetivo que mantém com os co-réus, um, seu marido, outro, seu irmão.3. Note-se que o artigo 206 do Código de Processo Penal dispensa um cônjuge do dever de testemunhar contra o outro, logo, por analogia, tem-se que a ré, enquanto esposa do autor dos crimes, ainda que tivesse conhecimento de que este tomava parte em atividades ilícitas, não tinha o dever de impedir a conduta ilícita ou denunciá-lo às autoridades.4. Quanto ao referido dispositivo, é fácil vislumbrar a intenção do legislador de preservar a paz e harmonia familiares, tomando em conta os laços afetivos que unem marido e mulher, e tudo isso ganha maior relevo em hipóteses como a dos autos, tão comuns em uma sociedade cada vez mais marcada pela violência do tráfico, sendo a acusada mãe de uma criança de colo e ainda diante da periculosidade das atividades desempenhadas pelo marido, tudo levando a crer se tratar de indivíduo com índole violenta, sendo fácil compreender que tivesse medo de sofrer represálias.5. Diante dessas especiais condições, exsurge, por analogia, como causa exculpante, a inexigibilidade de conduta diversa, revelando o acerto da magistrada ao fazer prevalecer o artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal, e, conseqüentemente, absolvendo a acusada das imputações contidas na denúncia.6. Parecer da Procuradoria de Justiça pelo provimento do recurso ministerial.7. Sentença correta. Apelo desprovido. (grifamos)

No entanto, é preciso chamar atenção que as decisões são no sentido de não se excluir a culpabilidade de quem porta arma de fogo sem autorização, principalmente se o acusado não fez prova suficiente da situação alegada. Ou seja, o ônus de provar a causa excludente de culpabilidade é da defesa.
Para se admitir a existência da excludente os Tribunais levam em consideração que deve existir prova suficiente que o sujeito se encontra em tal situação que a prática do crime seria a única alternativa para se livrar dela.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais já decidiu que não incide a excludente da inexigibilidade de conduta diversa, pois “a lei do desarmamento não faz previsão de causas que possam excluir a tipicidade sem o cumprimento de seus requisitos, em especial o registro da arma” (TJMG - Apelação Criminal APR 10352080485845001 MG) . Aparentando a ideia que num crime de porte ilegal de arma de fogo, para haver a incidência da excludente, a arma deveria ao menos estar registrada.
A nossa experiência tem sido negativa em relação a tese da excludente da inexigibilidade de conduta diversa em casos de porte ilegal de arma de fogo. Tanto os juízes de primeiro grau, quanto o Tribunal de Justiça não tem acatado a tese. Pelo menos na nossa experiência.
No caso deles, portar arma sem autorização é crime? Em outras palavras, eles devem ser condenados? O que você acha?




[1] DE JESUS, Damásio. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012, p.523.
[2] DE JESUS, Damásio. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012, p.528.
[3] TELES, Ney Moura. Direito Penal I. São Paulo: Atlas, 2008, p.309.
[4] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos do Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 328.

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