(Em homenagem e agradecimento aos queridos alunos do terceiro período da SEUNE)
É com certa frequência que nos
chega à análise casos de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, que o
acusado alega que portava a arma para sua autodefesa. Normalmente eles são
comerciantes que transitam, regularmente, por lugares de notório risco e com
certa quantia em dinheiro. Na maioria das vezes, já foram assaltados
transitando por esses lugares. Na maioria das vezes, esses lugares não são
alcançados pela segurança pública. No caso deles, portar arma sem autorização é
crime? Em outras palavras, eles devem ser condenados?
Como sabido para que se configure
um crime punível com uma pena, faz-se necessário a presença de três caracteres,
a saber: Fato típico, fato ilícito e culpabilidade.
Para que exista culpabilidade é
preciso a coexistência de três elementos: 1) Imputabilidade; 2) Potencial
consciência da ilicitude do fato e 3) Exigibilidade de conduta diversa.
Vamos ver como funciona a
inexigibilidade de conduta diversa, como causa excludente de culpabilidade.
Segundo Damásio, “a conduta só é
reprovável quando podendo o sujeito realizar comportamento diverso, de acordo
com a ordem jurídica, realiza outro, proibido.”[1]
Damásio de Jesus, em lição
didática, explicita a natureza jurídica e defende a aplicação desta causa
supralegal de excludente de culpabilidade, vejamos:
Se a conduta
não é culpável, por ser inexigível outra, a punição seria injusta, pois não há
pena sem culpa. Daí ser possível a adoção da teoria da inexigibilidade de
conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. [2]
A inexigibilidade de conduta
diversa é a mais importante excludente de culpabilidade existente no
ordenamento jurídico-penal pátrio.
Segundo Ney Moura Teles “é
princípio geral que impede a tipificação dos fatos normais da vida, (...) que
exclui a reprovabilidade de certas condutas típicas e ilícitas”.[3]
Francisco de Assis Toledo, em seu
magistério explicita que não age com culpabilidade que está sob o manto da
inexigibilidade de conduta diversa, não devendo tal pessoa receber reprimenda
penal, vejamos:
Não age
cupavelmente – nem deve ser portanto penalmente responsabilizado pelo fato –
aquele que, no momento da ação ou da omissão, não poderia, nas circunstâncias,
ter agido de outro modo, porque, dentro do que nos é comumente revelado pela
humana experiência, não lhe era exigível comportamento diverso. A
inexigibilidade de outra conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de
exclusão de culpabilidade.[4]
Quando analisamos as decisões dos
diversos Tribunais pátrios percebemos a aceitação da excludente para os mais variados
crimes. Vejamos alguns casos:
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA
PENAL – PROCESSO PENAL – APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA – Artigo 168-a, caput, Código Penal - Só- cio-gerente tinha
ciência do não repasse das contribuições sociais previdenciárias para o INSS - Dificuldade
financeiras da sociedade empresária - Inexigibilidade de conduta diversa -
Causa de exclusão de culpabilidade -
Manutenção da sentença - Recurso do ministério público improvido. (TRF 2ª R. –
ACr 2000.50.01.005777-4 – 2ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto – DJU
26.02.2007 – p. 219) JCP.168ª
PENAL – CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA – NÃO REPASSE AOS COFRES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DAS CONTRIBUIÇÕES
DESCONTADAS DOS EMPREGADOS – CRIME OMISSIVO PRÓPRIO – PRESCINDIBILIDADE DE DOLO
ESPECÍFICO – DIFICULDADES FINANCEIRAS COMPROVADAS – INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA
DIVERSA – RECURSO PROVIDO – O crime de apropriação indébita previdenciária é
classificado como omissivo próprio. A simples omissão no repasse ao INSS das
contribuições recolhidas dos empregados acarreta a consumação do tipo penal em
análise, não se exigindo dolo específico, fraude ou qualquer prejuízo efetivo.
Comprovada a participação na administração da empresa no período do débito,
somente a comprovação de dificuldades pelas quais enfrentava a empresa é que
poderia ensejar uma excludente de culpabilidade dos administradores, sendo tal
comprovação ônus da defesa. Para fins de exclusão de culpabilidade, torna-se
imprescindível a prova absoluta das dificuldades financeiras. Referências
genéricas não se prestam a tal intento. Comprovadas as dificuldades financeiras a
justificar a falta de repasse das contribuições sociais, impõe-se a absolvição
dos réus por inexigibilidade de conduta diversa.
Recurso a que se dá provimento. (TRF 2ª R. – ACr 2001.51.01.527979-2 – 1ª
T.Esp. – Relª Desª Fed. Maria Helena Cisne – DJU 19.01.2007 – p. 167)
(grifamos)
TRÁFICO DE
DROGAS
COMPANHEIRA.
INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA.
TRAFICO ILICITO DE ENTORPECENTE. ABSOLVICAO. Apelação Criminal. Companheira de
traficante condenada a prática do crime previsto no art. 12 da Lei 6.368/76.
Inexistência de provas de que a mesma estivesse em união de desígnios com o 2.
denunciado. O simples fato da acusada residir no local onde foi apreendido o
material entorpecente não pode, por si só, ensejar sua condenação. Inexistência
de prova quanto ao fato da apelante ter concorrido para o crime. Mesmo sabendo
que o companheiro guardava o material entorpecente dentro da residência, era
inexigível conduta diversa pela apelante que afirma ser
aquele o proprietário do material apreendido. Recurso conhecido e provido para
absolver a apelante A.T.S. na forma do artigo 386, VI do CPP. Expedindo-se
imediatamente alvará de soltura, a ser cumprido se por "AL" não
estiver presa. (TJRJ. AC - 2006.050.02604. JULGADO EM 08/03/2007. RECURSO
EXTRAORDINARIO - Unanime. RELATORA: DESEMBARGADORA ROSITA MARIA DE OLIVEIRA
NETTO)
E, por
óbvio, aplica-se ao crime de porte ou posse ilegal de arma de fogo. Vejamos:
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ.
Há justificante supra legal,
inexigibilidade de conduta diversa, que confirma que "a lei não esgota o
direito", não sendo razoável condenação de pessoa de bem que mantém, em
sítio no "hinterland" fluminense, em ambiente rural, espingarda de
caça desmuniciada, e alguns animais da fauna nativa cativos (dois porquinhos do
mato abandonados, e algumas poucas aves) os quais não poderiam ser devolvidos à
natureza, por não terem presumivelmente condições de sobreviverem
autonomamente.
Não há pena mais injusta, que a pena inútil. Recurso defensivo provido.
Não há pena mais injusta, que a pena inútil. Recurso defensivo provido.
Rio de
Janeiro, 17 de maio de 2005.
Des. EDUARDO MAYR - Presidente e Relator
(Fonte: Revista de Direito do TJRJ nº 66)
Des. EDUARDO MAYR - Presidente e Relator
(Fonte: Revista de Direito do TJRJ nº 66)
TJRJ - APELACAO : APL 216
RJ 2009.050.00216
POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO COM NUMERAÇÃO
RASPADA E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ABSOLVIÇÃO POR
INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IRESSIGNAÇÃO DO PARQUET. VÍNCULO UNICAMENTE
SÓCIO-AFETIVO DA ACUSADA COM O CO-RÉU, AUTOR CONFESSO DOS CRIMES ACIMA
DESCRITOS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA QUE SE
MANTÉM. 1. A acusada foi presa juntamente com dois co-réus, após apreensão
de grande quantidade de armamentos pesados na residência em que moravam,
realizada pela polícia, após denúncia anônima. A autoria foi confessada pelo
marido da apelada, condenado anteriormente por crime de tráfico.2. Embora
improvável que a apelada desconhecesse as atividades ilícitas do marido, e,
diante da quantidade e vulto dos armamentos apreendidos ignorasse a existência
destes, nada mais há de indícios de autoria que o vínculo afetivo que mantém
com os co-réus, um, seu marido, outro, seu irmão.3. Note-se que o artigo 206
do Código de Processo Penal
dispensa um cônjuge do dever de testemunhar contra o outro, logo, por analogia,
tem-se que a ré, enquanto esposa do autor dos crimes, ainda que tivesse
conhecimento de que este tomava parte em atividades ilícitas, não tinha o dever
de impedir a conduta ilícita ou denunciá-lo às autoridades.4. Quanto ao referido
dispositivo, é fácil vislumbrar a intenção do legislador de preservar a paz e
harmonia familiares, tomando em conta os laços afetivos que unem marido e
mulher, e tudo isso ganha maior relevo em hipóteses como a dos autos, tão
comuns em uma sociedade cada vez mais marcada pela violência do tráfico, sendo
a acusada mãe de uma criança de colo e ainda diante da periculosidade das
atividades desempenhadas pelo marido, tudo levando a crer se tratar de
indivíduo com índole violenta, sendo fácil compreender que tivesse medo de
sofrer represálias.5. Diante dessas
especiais condições, exsurge, por analogia, como causa exculpante, a
inexigibilidade de conduta diversa, revelando o acerto da magistrada ao fazer
prevalecer o artigo 386,
inciso V, do
Código de Processo Penal,
e, conseqüentemente, absolvendo a acusada das imputações contidas na denúncia.6.
Parecer da Procuradoria de Justiça pelo provimento do recurso ministerial.7.
Sentença correta. Apelo desprovido. (grifamos)
No entanto, é preciso chamar
atenção que as decisões são no sentido de não se excluir a culpabilidade de
quem porta arma de fogo sem autorização, principalmente se o acusado não fez
prova suficiente da situação alegada. Ou seja, o ônus de provar a causa
excludente de culpabilidade é da defesa.
Para se admitir a existência da
excludente os Tribunais levam em consideração que deve existir prova suficiente
que o sujeito se encontra em tal situação que a prática do crime seria a única
alternativa para se livrar dela.
O Tribunal de Justiça de Minas
Gerais já decidiu que não incide a excludente da inexigibilidade de conduta
diversa, pois “a lei do desarmamento não faz previsão de causas que possam excluir
a tipicidade sem o cumprimento de seus requisitos, em especial o registro da
arma” (TJMG -
Apelação Criminal APR 10352080485845001 MG) . Aparentando a ideia que
num crime de porte ilegal de arma de fogo, para haver a incidência da
excludente, a arma deveria ao menos estar registrada.
A nossa experiência tem sido
negativa em relação a tese da excludente da inexigibilidade de conduta diversa
em casos de porte ilegal de arma de fogo. Tanto os juízes de primeiro grau,
quanto o Tribunal de Justiça não tem acatado a tese. Pelo menos na nossa
experiência.
No caso deles, portar arma sem autorização é crime? Em outras palavras,
eles devem ser condenados? O que você acha?
[1]
DE JESUS, Damásio. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012, p.523.
[2] DE
JESUS, Damásio. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012, p.528.
[3] TELES,
Ney Moura. Direito Penal I. São Paulo: Atlas, 2008, p.309.
[4]
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos do Direito Penal. São Paulo:
Saraiva, 1994, p. 328.

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