Um Estudo dirigido para a defesa de um caso sobre A INCOMPATIBILIDADE ENTRE TENTATIVA E DOLO EVENTUAL
A ação, como sabido e já estabelecido em nossa doutrina pátria, é atividade dirigida conscientemente, um acontecimento final e não meramente causal. E como bem disse Welzel, a atividade final “é uma atividade dirigida conscientemente em razão de um fim, enquanto o acontecer causal não está dirigido a um fim (...)” . Ele arremata com sua celebre frase, “a finalidade é, por isso – dito de forma gráfica – ‘vidente’, e a causalidade, ‘cega’ . E, portanto, pode-se afirmar que a questão central da ação finalista é a vontade, consciente do fim.
Para melhor demonstrar a diferença entre a ação vista de forma meramente causal da ação vista como ação final, Welzel traz o seguinte exemplo:
Aquele que, para treinar tiro ao alvo, dispara contra uma árvore, atrás da qual se encontra um homem – o qual não vê – e mata esse homem, dá, sem dúvida, um disparo final de treinamento, mas não realiza uma ação final de matar. [Nesse caso], a consequência ulterior, não querida (a morte), foi produzida de um modo causal, cego, pela ação final.
A respeito do tema, precisa é a doutrina do Procurador de Justiça ROGÉRIO GRECO, que tratou da problemática conceitual da possibilidade de um crime tentado na hipótese de dolo eventual, sob a ótica da teoria finalista da ação. Vejamos:
A própria definição legal do conceito de tentativa nos impede de reconhecê-la nos casos em que o agente atua com dolo eventual.
Quando o Código Penal, em seu art. 14, II, diz ser o crime tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, nos está a induzir, mediante a palavra vontade, que a tentativa somente será admissível quando a conduta do agente for finalística e diretamente dirigida à produção de um resultado, e não nas hipóteses em que somente assuma o risco de produzi-lo, nos termos propostos pela teoria do assentimento. O art. 14, II, do Código Penal adotou, portanto, para fins do reconhecimento do dolo, tão somente, a teoria da vontade.
Não sem motivos que quando Mirabete tratou da tentativa no crime de homicídio, explicou que “é com fundamento no elemento subjetivo que se distingue a tentativa de homicídio, que exige ato inequívoco de matar, do crime de lesões corporais” . O Tribunal de Justiça de São Paulo ao se manifestar em dois casos de possível tentativa de homicídio assim decidiu:
A tentativa de morte exige para o seu reconhecimento atos inequívocos da intenção homicida do agente. Não basta, pois, para configurá-la, o disparo de arma de fogo e a ocorrência de lesões corporais no ofendido, principalmente quando o réu não foi impedido de prosseguir e dela desistiu. (RT 458/344)
Inexistindo a certeza de que quisesse o réu matar e não apenas ferir, não apenas ferir, não se afigura a tentativa de morte. É que esta exige atos inequívocos da intenção do agente. (RT 613/293).
Como dito, sem a vontade certa de provocar o resultado, não há que se falar em tentativa.
Para o jovem Promotor Público Cleber Masson a tentativa é composta por três elementos: 1) início da execução; 2) ausência de consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente; e 3) dolo de consumação.
Ora, pode-se dizer então que para a consumação de um delito, primeiramente o agente começa a mentalizar o resultado que pretende alcançar; após, define os meios necessários a serem utilizados para a prática do delito que mentalizou; em seguida, começa a praticar os atos, já cogitados e preparados, necessários para a consumação do delito. Na fase da execução, ou seja, quando o agente começa a realizar os atos necessários para a configuração do fato típico, pode ocorrer duas situações, a consumação do delito, ou a sua interrupção. Essa interrupção pode se dar pela livre vontade do agente, ou por circunstâncias alheias à sua vontade. Na segunda hipótese, ou seja, quando o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, está configurada a tentativa.
A figura da vontade está diretamente ligada à tentativa, ou como disse Masson o “dolo de consumação”, pois ninguém tenta fazer algo que não quer. Tratando do querer, que nos remete a teoria da vontade, o professor Damásio diz que “é a vontade do agente que fornece o elemento subjetivo final para a configuração da tentativa, pois é ela que especifica a figura típica a que se encontram ligados os atos executórios”.
Não difere o entendimento do ilustre Professor e Promotor de Justiça no Estado do Rio de Janeiro, Fernando Pedroso, quando diz:
De outra parte, é incompatível a figura da tentativa com o dolo eventual. Como não há vontade diretamente dirigida à produção do resultado, assumindo o agente apenas a possibilidade do dano ao bem jurídico penalmente tutelado, inconcusso é que ou nada se produz sequer havendo que se cogitar da forma tentada, ou se produz alguma coisa de relevância criminosa, ainda que 'menor' à prevista, e por ela deve o sujeito ativo, sob a forma consumada, ser responsabilizado criminalmente.
Já ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, são mais diretos quando afirma que “é inadmissível se ter como tentativa de homicídio o evento não desejado” . Defendendo o mesmo posicionamento, MIRABETE, colaciona casos semelhantes ao do denunciado, explicando sobre a incompatibilidade entre tentativa de homicídio e dolo eventual.
Vejamos:
Há hipóteses evidentes de impossibilidade da tentativa com dolo eventual nos crimes de homicídio e de lesões, pois quem põe em perigo a integridade corporal de alguém voluntariamente, sem desejar causar a lesão, pratica fato típico especial (art. 132); quem põe em risco a vida de alguém, causando-lhe lesão e não querendo sua morte, pratica o crime de lesão corporal de natureza grave (art. 129, §1º, II). Deve-se entender que, diante do texto legal, se punirá pelo crime menos grave quando o agente “assume o risco” de um resultado de lesão ou morte, respectivamente, que ao final não vem a ocorrer".
Vejamos trecho da decisão proveniente do Tribunal de Justiça de São Paulo, da lavra do ilustre Desembargador Breno Guimarães, no RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0832268-64.2013.8.26.0052, que de forma didática trata da analise da tentativa em caso de dolo eventual:
Ora, para a configuração do crime tentado, é necessária a vontade do agente em produzir o resultado lesivo, que não se consuma por circunstâncias alheias àquela mesma vontade (art. 14, inc. II, do CP). Tal elemento volitivo, ou seja, o querer produzir o fato descrito no tipo penal, não se encontra presente no dolo eventual, pois nele há apenas a anuência de que determinado resultado possa ocorrer. Em outros termos, no dolo eventual o agente prevê o resultado como possível ou provável, mas não se importa com a sua ocorrência, aceitando-o. Não há, portanto, a real vontade de produzir o resultado, o que o torna incompatível com o conceito de tentativa insculpido no Código Penal.
Ora, para a configuração do crime tentado, é necessária a vontade do agente em produzir o resultado lesivo, que não se consuma por circunstâncias alheias àquela mesma vontade (art. 14, inc. II, do CP). Tal elemento volitivo, ou seja, o querer produzir o fato descrito no tipo penal, não se encontra presente no dolo eventual, pois nele há apenas a anuência de que determinado resultado possa ocorrer. Em outros termos, no dolo eventual o agente prevê o resultado como possível ou provável, mas não se importa com a sua ocorrência, aceitando-o. Não há, portanto, a real vontade de produzir o resultado, o que o torna incompatível com o conceito de tentativa insculpido no Código Penal.
Em linguagem simples e direta, não há nenhuma lógica em tentar fazer algo que não se quer com consciência e vontade.
Nesse sentido temos:
"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DELITOS COMETIDOS NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. HOMICÍDIO TENTADO COM DOLO EVENTUAL E EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO CONTRA A VIDA PARA OUTRO DE COMPETÊNCIA DO JUIZ SINGULAR. IMPOSSIBILIDADE LÓGICA DE ADMITIR-SE A TENTATIVA NO DOLO EVENTUAL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. MANUTENÇÃO DA DECISÃO DE 1º GRAU. Recurso improvido". (Recurso em Sentido Estrito nº 70034503961, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Julgado em 31/03/2010). Destacamos.
"PRONÚNCIA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. DELITO DE CIRCULAÇÃO NO TRÂNSITO. DOLO EVENTUAL. PROVA. A submissão de quem se envolve em delito de circulação de veículos no trânsito ao julgamento popular, através de imputação de dolo eventual, exige a presença de circunstâncias excepcionais, bem determinadas, visto que a regra, em casos do gênero, é a culpa. Circunstâncias não presentes na espécie. Dificuldade, outrossim, de conciliar conceitos de crime tentado, cujo resultado só não se obtém por circunstâncias alheias à vontade do agente, com o dolo eventual, onde não há essa vontade de obtenção do resultado lesivo. Recurso provido para a desclassificação da infração". (Recurso em Sentido Estrito nº 70001042415, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Hirt Preiss, Julgado em 31/08/2000). Destacamos.
Recurso em Sentido Estrito - Tentativa de Homicídio Qualificado pelo recurso que dificultou a defesa do ofendido (art. 121, § 2º, IV, c.c. art. 14, inc.II, ambos do Código Penal) - Pronúncia operada em primeiro grau de jurisdição - Recurso interposto pela defesa objetivando a desclassificação do delito para lesões corporais na condução de veículo automotor. Impossibilidade da manutenção da decisão de pronúncia - Acusado que teria, nos termos da denúncia, assumido o risco da produção do resultado naturalístico - Dolo eventual expressamente descrito na denúncia - Incompatibilidade entre o dolo eventual e a tentativa, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritários.Impossibilidade da definição do delito pelo Tribunal, sob pena de supressão de instância e prejulgamento da matéria - Inteligência do art. 419,do Código de Processo Penal - Por maioria de votos deram provimento ao recurso para desclassificc imputação feita ao recorrente para outro crime,competência do juiz monocrático. (TJ-SP - RECSENSES: 34886120108260438 SP 0003488-61.2010.8.26.0438, Relator: Salles Abreu, Data de Julgamento: 04/09/2012, 4ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 18/09/2012)
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO TENTADO. DECISÃO DESCLASSIFICATÓRIA. PROVA ESTREME DE DDÚVIDA DA AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A TENTATIVA E O DOLO EVENTUAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DA TESE ACUSATÓRIA. DESCLASSIFICAÇÃO QUE SE IMPUNHA. Recurso improvido. (TJ-RS - RECSENSES: 70048027247 RS , Relator: Manuel José Martinez Lucas, Data de Julgamento: 18/07/2012, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/07/2012)
quinta-feira, 28 de agosto de 2014
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