Erguer as Mãos que Pendem

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sábado, 5 de novembro de 2016

Juiz ou Justiceiro?




Há muito que entendemos que um juiz é o primeiro garantidor do réu. Há muito entendemos que aqueles que se auto intitulam de combatentes da criminalidade carecem de imparcialidade suficiente para julgar os casos. O raciocínio, neste caso, é simples: se você é um combatente, como pode ser um julgador?
 Hoje nos deparamos com um texto interessante do advogado fluminense James Walker intitulado É TOGA OU FARDA? Após suas considerações, ele transcreve uma nota de esclarecimento feita por um Desembargador do Rio de Janeiro. Vale a pena ler a nota! Segue sua transcrição:



O Desembargador Siro Darlan, visando esclarecer o conteúdo da reportagem publicada em O Globo no dia 29 de outubro (EDITORIA RIO, 1º Caderno, p.15), informa que o perfil comprometido com o respeito aos direitos e garantias fundamentais que marcam suas decisões no plantão judiciário, onde atua voluntariamente, assim como o fazem vários outros ilustres desembargadores mais antigos, é o mesmo que baseia seus acórdãos na Sétima Câmara Criminal que preside, e que é uma das câmaras mais fiéis aplicadoras dos direitos e garantias constitucionais do Tribunal de Justiça. A referida Câmara, através dos cinco desembargadores que a compõem e de seus dedicados servidores, mantém um invejável índice de 92% das decisões de todos os processos que recebe, no prazo médio de 35 dias. Além disso, é responsável pela expedição, até o momento, de 735 alvarás de soltura, contra quase mil que foram expedidos em 2015, e não foi este o magistrado quem mais os deferiu.
Ultimamente, em razão do alto índice de violência, os juízes têm sido cobrados como solução de todos os problemas. Juízes não são justiceiros, mas garantidores de direitos. Justiceiros buscam vingança. Juízes almejam a paz social. O papel de um juiz é evitar toda forma de constrangimento aos direitos dos cidadãos. Por isso, filia-se às ações de ressocialização dos que cometem delitos, como as conduzidas pelo Afro Reggae e a CUFA, as quais procuram oportunizar meios de retirar criminosos do crime. Muitas vezes essa posição é confundida e juízes garantistas em todo o Brasil têm sofrido perseguições por suas posições doutrinárias na interpretação das leis. Em São Paulo, uma desembargadora ilustre está sendo processada por haver soltado um preso que já havia cumprido a pena. Em Manaus, outro juiz está sendo acusado de ser muito liberal. No Rio de Janeiro, um magistrado está sendo processado por haver absolvido um acusado de desacato, emoldurando sua decisão com uma música.
A sociedade está vivendo um momento altamente punitivista, e o Brasil já tem quase 700 mil presos, sendo 42% presos provisórios. Essa é uma medida cara, injusta e que não pacifica a sociedade. Tanto assim, que o STF e o Conselho Nacional de Justiça se empenharam na instalação das audiências de custódia e tem pregado a redução dessas prisões contra as quais a lei prioriza a aplicação das medidas cautelares.
Contudo quando um magistrado aplica essas medidas cautelares, cumprindo o mandamento legal, sofre esses recursos que quando amparados na lei são perfeitamente compreensíveis, mas quando buscam a condenação através do tribunal midiático, para pautar os juízes pela opinião publicada, é uma desqualificação do próprio judiciário.




sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Dosimetria da Pena – O comportamento da Vítima





Para estabelecer a reprimenda de um crime, ou seja, para fazer a dosimetria da pena, faz-se necessário seguir um método denominado de “método trifásico”. O artigo 68 do Código Penal indica as três fases que devem ser seguidas para quantificar a pena do condenado: “Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento”. 
Veja que na primeira fase se examina as circunstâncias judiciais do artigo 59, caput, do Código Penal. São oito circunstâncias judiciais. Vejamos o texto da Lei:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: 

O juiz analisa cada circunstância judicial e de acordo com o resultado da análise estabelece a pena base. A pena base  será fixada entre o mínimo e o máximo da pena prevista para o crime. Por exemplo, se pensarmos no crime de roubo (art. 157, caput do CP), a pena privativa de liberdade estabelecida pelo legislador foi de 04 a 10 anos. Se o julgador entendeu que não há circunstâncias judiciais negativas, a pena base ficará no mínimo da pena, ou seja, 04 anos.
Hoje vou falar um pouco sobre a circunstância “comportamento da vítima”. É que chegou a nossas mãos um caso em que o magistrado exasperou a pena base, pois valorou negativamente a referida circunstância, afirmando que o comportamento da vítima foi neutro e por isso deveria a circunstância ser valorada em desfavor do réu.
A doutrina e a jurisprudência pátria têm interpretado que o comportamento normal ou neutro da vítima, que nada influencia ou incita o cometimento do delito, deve ser considerado neutro durante a primeira fase da fixação da pena.
O Superior Tribunal de Justiça, de forma reiterada, já se manifestou sobre a matéria – até mesmo em sede de Habeas Corpus – indicando que o comportamento neutro da vítima não é motivo idôneo para exasperar a pena-base. Vejamos:

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1368671 MG 2013/0060924-7 (STJ)

Data de publicação: 04/08/2014
Ementa: RECURSO ESPECIAL. PENAL. ROUBO MAJORADO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CULPABILIDADE E MOTIVOS. LUCRO FÁCIL. CIRCUNSTÂNCIAS. ELEMENTO INERENTE AO TIPO PENAL. CONSEQUÊNCIAS DA INFRAÇÃO. NÃO DEVOLUÇÃO DO BEM. COMPORTAMENTO NEUTRO DA VÍTIMA. ANTECEDENTES. PROCESSO TRANSITADO EM JULGADO CUJA PUNIBILIDADE FOI EXTINTA PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PROCESSOS EM ANDAMENTO. SÚMULA 444/STJ. EXASPERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. A obtenção de lucros com a prática do crime de roubo não pode subsidiar a exasperação da pena-base porquanto inerente ao tipo penal. 2. Não transbordando a violência física o suficiente para a caracterização da elementar do crime de roubo, inviável sua utilização para exasperação da pena-base sob pena de bis in idem. 3. A utilização de faca não pode fundamentar a fixação da pena-base acima do mínimo legal quando configuradora da majorante prevista no inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal. 4. A ausência de devolução da res furtiva e comportamento neutro da vítima não são motivos idôneos para fundamentar a exasperação da pena-base. 5. A existência de condenação criminal transitada em julgado cuja punibilidade foi extinta pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, bem como ações penais em andamento, não podem ser utilizados para agravar a pena-base. 6. Recurso especial provido para reduzir a pena-base ao mínimo legal, redimensionando a pena do recorrente para 6 (seis) anos de reclusão e pagamento de 14 (quatorze) dias-multa, mantidos os demais termos do acórdão recorrido.

STJ - HABEAS CORPUS HC 217819 BA 2011/0212540-5 (STJ)

Data de publicação: 09/12/2013
Ementa: HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. HOMICÍDIO. CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. COMPORTAMENTO DAVÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIA NEUTRA NA HIPÓTESE. PROPORCIONALIDADE. DIMINUIÇÃO DA REPRIMENDA. NÃO CONHECIMENTO. ORDEM DE OFÍCIO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial. 2. O fato de a vítima não ter contribuído para o delito é circunstância judicial neutra e não deve levar ao aumento da sanção. 3. Se persistem apenas duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, a pena-base deve ser readequada, observando-se os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 4. Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício para diminuir a pena imposta ao paciente para 9 (nove) anos de reclusão. (grifamos)

Em outro Julgado, em sede de Agravo regimental, o Superior Tribunal de Justiça foi além e pontuou que “o comportamento da vítima só pode ser considerado no cálculo da pena para amenizar a situação do Réu”. Vejamos:

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1245072 PB 2011/0035399-3 (STJ)

Data de publicação: 28/05/2013
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIA NEUTRA. EXCLUSÃO DO ACRÉSCIMO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. À míngua de argumentos novos e idôneos para infirmar os fundamentos da decisão agravada, proferida em conformidade com a jurisprudência sedimentada nesta Corte - no sentido de que o comportamento da vítima só pode ser considerado no cálculo da pena para amenizar a situação do Réu, na hipótese de o sujeito passivo determinar ou criar uma situação em que se ponha suscetível à ação delitiva - mantenho-a intacta. 2. Agravo regimental desprovido. (grifamos)

Os diversos Tribunais pátrios adotam a mesma posição, sempre indicando que: O simples fato de a vítima não ter contribuído para a prática delitiva não conduz à exasperação da reprimenda. Entendimento contrário ensejaria, no mais das vezes, a fixação da sanção acima do piso legal” (STJ. HC 118.890/MG. Relator Ministro OG Fernandes.Sexta Turma. DJe de 03/08/2011).
Desta feita, se o comportamento da vítima é neutro, tal fato não deve servir para uma valoração negativa da circunstância judicial “comportamento da vítima”, em desfavor do réu para a fixação da pena base.