Erguer as Mãos que Pendem

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quinta-feira, 30 de abril de 2015

QUAL A REAL FINALIDADE DA PRISÃO TEMPORÁRIA?



A prisão temporária foi criada pela Lei nº 7960/1989. Apesar de toda prisão processual ter como característica a provisoriedade, essa espécie de prisão, diferentemente das outras, tem prazo certo para seu fim:[1] cinco dias para os crimes comuns e trinta dias para os crimes hediondos e equiparados (tráfico, terrorismo e tortura). Em ambos os casos pode ter o prazo renovado por igual período.
Ela é uma espécie de prisão cautelar voltada especificamente para as investigações, só podendo ser decretada no curso do inquérito policial. E, tendo em mente o sistema acusatório, ela é representada pela autoridade policial ou requerida pelo Ministério Público, mas não pode ser decretada de ofício pelo juiz.
É uma espécie de prisão extremamente criticada, mas bastante utilizada. Entre os argumentos que apontam para a inconstitucionalidade da prisão temporária, constam: 1) a inconstitucionalidade formal, pois foi criada pela medida provisória nº 111/1989 e depois convertida na Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, quando a Constituição dita que é matéria privativa da União legislar sobre matéria penal e processual penal (art. 22, I, da CF/88); e 2) a inconstitucionalidade material seria, na verdade, uma prisão para averiguação, em que se prende primeiro para depois investigar os fatos, violando o princípio da presunção de inocência.[2]
Para que a prisão temporária tenha cabimento é imprescindível que seja constatada sua extrema necessidade para o curso das investigações policiais, não bastando meras alegações genéricas para fundamentar tal imposição, sob pena de nulidade da decisão.
Nas brilhantes palavras do promotor de justiça Rogério Cruz, o cabimento do encarceramento temporário é enxergado como “o de acautelar o inquérito policial, procedimento administrativo voltado a esclarecer o fato criminoso, a reunir meios informativos que possam habilitar o titular da ação penal a formar sua opinio delicti e, por outra angulação, a servir de lastro a acusação” [3].
Continua o ilustre representante do parquet aduzindo que somente no caso de ocorrência concreta de situação que venha a por em risco o desencadear das investigações e seu consequente êxito é que autoriza a decretação da medida in cautelam na sua modalidade temporária, o qual representa o periculum libertatis.
O termo imprescindível tem o sentido semântico de indispensável. Dessa maneira, a prisão objeto de considerações jurídicas somente poderá ser levada a efeito quando for absolutamente necessária às investigações.
Aqui é preciso diferenciar uma possível utilidade da prisão de sua imprescindibilidade. O Procurador da República João Gualberto Garces Ramos, ao tratar da matéria explicitou a necessidade de verificar se há imprescindibilidade ou mera utilidade da prisão temporária. Diz ele:

Advirta-se que a utilidade, ainda que levada em grau máximo, não se confunde com imprescindibilidade. Imprescindível é a qualidade do que não se pode dispensar, renunciar, ao menos sem uma perda absolutamente relevante. Útil é o que ajuda, auxilia, otimiza, mas não é essencial.[4]


A autoridade policial tem o dever de indicar na representação quais diligências precisa fazer para produzir esta ou aquela prova e demonstre o porquê de a citada diligência não poder ser feita com o indivíduo solto, ou seja, por que a prova a ser produzida não pode se realizar sem a medida extrema de prisão. Nesse sentido, o ensinamento de João Gualberto Garces Ramos:

Não será possível a prisão temporária sob a simples alegação de que se trata de medida imprescindível às investigações; será necessário que a autoridade policial ao menos descreva qual a diligência que está a depender, para sua realização, da prisão temporária do indiciado e em que medida a privação de sua liberdade viabilizará as ditas diligências.[5]

Em outra passagem, salienta:

A prisão temporária, que exclusivamente serve ao inquérito policial é, como ele, medida cautelar. Somente se justifica porque as investigações precisam se realizar antes do desvanecimento dos elementos de convicção, sob pena de sua completa inutilidade.[6]


De se destacar que a demonstração da imprescindibilidade deve ser fundada em dados concretos e exposta como motivação do decreto prisional, sob pena de ser ilegal a restrição de liberdade. Vejamos algumas decisões neste sentido:

HABEAS CORPUS – PRISÃO TEMPORÁRIA – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE – CONCESSÃO DA ORDEM – A prisão temporária só será decretada em caso de extrema e comprovada necessidade (Lei nº 7.960/89, art. 2º), devendo fundar-se em fatos concretos de que o agente, estando solto, possa frustrar ou dificultar a produção de provas. (TJRO – HC 03.004949-0 – C.Crim. – Rel. Des. Valter de Oliveira – J. 9.10.2003).

PRISÃO TEMPORÁRIA – DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DA MEDIDA – NECESSIDADE – ABORDAGEM ACERCA DOS ANTECEDENTES DO AGENTE – IRRELEVÂNCIA. “Para a decretação da prisão temporária é necessário que se demonstre a imprescindibilidade da cautela, devendo a autoridade mencionar por que as investigações não podem prosseguir sem a adoção da referida medida, sendo irrelevante qualquer abordagem acerca dos antecedentes do agente, vez que tal instituto de exceção tem pressupostos próprios, que não devem ser confundidos com os da prisão preventiva” (TACRIM – SP – HC – rel. Di Rissio Barbosa – RJTACRIM 31/342).

Veja bem, nos dias de hoje com tanta tecnologia, com tantas possibilidades de invasão da vida privada, como busca e apreensão de documentos, condução coercitiva, quebras de sigilo telefônico, bancário, fiscal etc., será que sobrou algum motivo para a imprescindibilidade da prisão temporária? Acho que não!
Sem generalizações, o que se tem visto é que a prisão temporária tem sido utilizada para retirar do indivíduo preso as informações que a polícia, por uma serie de fatores, não conseguiu de outra forma apurar.





[1] Sobre a necessidade de um prazo máximo legalmente estabelecido para a prisão preventiva, aponta  Luiz Flávio Gomes “o que se lamenta é a inexistência de uma regra geral que coloque um termo certo (uma data certa) para a duração das medidas cautelares”. GOMES, Luiz Flávio; MARQUES, Ivan Luiz (Coords). Prisão e Medidas Cautelares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 57-58.
[2] MOURA, Humberto Fernandes. Prisões Provisórias – Evolução Legislativa e sua Análise em Face do Princípio da Presunção de Inocência, Estado de Inocência ou da Não-Culpabilidade, Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal – 38 – jun-jul/2006 – p. 11-12.
[3] CRUZ, Rogério Shietti Machado. Prisão Cautelar: dramas, princípios e alternativas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 190.
[4] RAMOS, João Gualberto Garcez Ramos. A Tutela de Urgência no Processo Penal Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 200.
[5] RAMOS, João Gualberto Garcez Ramos. A Tutela de Urgência no Processo Penal Brasileiro. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1998, p. 200-201.
[6] RAMOS, João Gualberto Garcez Ramos. A Tutela de Urgência no Processo Penal Brasileiro. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1998, p. 203.

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