Erguer as Mãos que Pendem

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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

PARA REFLETIR SOBRE A PRISÃO CAUTELAR E A PROPORCIONALIDADE




O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO REQUISITO DE CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO CAUTELAR




Bruno Vasconcelos Barros


Observação: As notas de rodapé e indicações bibliográficas foram retiradas para não enfadar o leitor.

 
Palavras Chaves: princípios, proporcionalidade, processo penal, prisão cautelar.



Introdução

No Estado democrático de direito se pretende que as esferas do poder público se limitem ao máximo a não restringir direitos e garantias fundamentais do corpo social. Em caso de necessidade de restrição de direitos, não deve haver excessos, em outras palavras, sempre que se quiser restringir direito fundamental é preciso verificar se realmente é necessário e se não há outro meio menos gravoso para se chegar ao fim desejado.

A proporcionalidade nasceu sob a expectativa de limitar o poder estatal de restringir as liberdades do corpo social. Inicialmente, surgiu para ser aplicado no direito administrativo e constitucional, mas galgou larga aplicação em todas as áreas do direito e, principalmente, no processo penal, ramos do direito que tem a potencialidade de atingir mais gravosamente os direitos individuais.

O Estado democrático de direito que deveria ter o compromisso de promover a justiça e materializar as garantias e direitos constitucionais, em homenagem ao combate e diminuição da criminalidade, entrou num espiral de retrocesso, tornando-se um estado policialesco, utilizando o processo penal como instrumento de punição e não como garantia do indivíduo contra a ingerência pública, tornando, em muitos casos, as garantias constitucionais em letra morta.

As medidas cautelares de privação de liberdade têm tido larga utilização no processo penal brasileiro. O que deveria ser exceção se tornou uma quase regra. Tem-se um número elástico de possibilidades de prender alguém antes de o trânsito em julgado da sentença e pelos mais diversos motivos.

O Estado tem sido rápido em prender provisoriamente e lento em dar a resposta definitiva. Certamente, por ser mais simples e, ao mesmo tempo, garantir que a sede de vingança social seja saciada, pois de forma rápida e notória a sociedade observa a reação estatal que toma posse da liberdade de alguém, encarcerando-o.

No sistema processual pátrio ainda se decreta prisão preventiva em casos de crimes cuja pena mínima não é superior a um ano, quando, em regra, seria possível uma suspensão condicional do processo. Decreta-se prisão em crimes dolosos sem violência ou grave ameaça a pessoa cuja pena máxima não ultrapassa quatro anos, quando o Código Penal previu, no seu artigo 44, a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Ainda se mantém preso um cidadão por anos, sem julgamento, mesmo quando o tempo de encarceramento provisório já permitiria a progressão de regime ou mesmo livramento Condicional.

No sistema pátrio a prisão temporária (Lei n.7960/89), apesar de tão criticada, sendo verdadeira prisão para averiguação, está em pleno vigor e sendo aplicada sem nenhuma moderação, basta verificar as midiáticas operações federais e estaduais em todo o Brasil. Segundo o próprio texto da Lei, essa modalidade de prisão tem finalidade de produção desimpedida de prova, podendo ser decretada inclusive quando o suspeito não tem residência ou identificação civil. Estando no século XXI não haveria outros meios menos gravosos para se conseguir o fim pretendido? Não bastaria a intimação para interrogar o suspeito? Não bastaria a quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico? Não bastaria uma ordem de busca e apreensão ou de exibição de coisas ou documentos? Se não tem identificação, não seria fácil para o estado providenciar?

É nesse contexto que o presente estudo propõe a aplicação do princípio da proporcionalidade como requisito de validade constitucional do decreto de prisão cautelar ou de sua manutenção.



Proporcionalidade – conceito – nomenclatura – fundamento - conteúdo - finalidade



Segundo Willis Santiago a proporcionalidade traz a idéia de “uma limitação do poder estatal em beneficio da garantia de integridade física e moral, dos que lhe estão sub-rogados” . Nessa mesma linha D`Urso, afirmando que é consenso doutrinário e jurisprudencial que a proporcionalidade tem “natureza de contenção e moderação dos atos estatais em favor da proteção dos direitos do cidadão”, em parágrafo posterior cita Bonavides, quando afirmou que “a proporcionalidade ó o instrumento mais poderoso de garantia dos direitos fundamentais” .

A doutrina brasileira, na maioria, utiliza a expressão “princípio da proporcionalidade” . No entanto, alguns doutrinadores seguem outras nomenclaturas, tais como, “postulado da proporcionalidade” , “regra da proporcionalidade”, “máxima da proporcionalidade” .

Apesar de o nomem iuris não ser o centro presente estudo, concorda-se com Humberto Ávila que tal definição vai além da questão de nomenclatura, sendo “um problema fenomênico, de coerência e de justificação” . Destaque-se, entretanto, que para alguns autores, a questão de qual denominação seria a mais correta não influencia no resultado prático, nesse sentido, Wilson Steinmetz, in verbis:

Há uma tendência no discurso jurídico de qualificar como “princípios” normas que são havidas, por razões diversas (ora razões jurídicas, ora razões axiológicas, ora razões empíricas), como muito importantes no ou para o sistema jurídico.

Não está claro, ainda, se, no plano interpretativo-aplicativo, a questão terminológica produz interferências conceituais e metodológicas relevantes do ponto de vista dos resultados práticos e sua justificabilidade e controlabilidade racionais. Dizendo de outro modo, não está claro se o dissenso terminológico tem implicações hemenêutico-constitucionais relevantes.

Por concordar com Santiago, adota-se, neste estudo a nomenclatura princípio da proporcionalidade.

Mesmo sem um consenso sobre a melhor nomenclatura, a proporcionalidade é reconhecidamente mandamento constitucional, embora a doutrina difira quanto a seu fundamento. A proposta é que seja considerada uma garantia fundamental, na esteira do pensamento de Willis Santiago:

O Princípio da proporcionalidade se consubstancia em uma garantia fundamental, ou seja, direito fundamental com uma dimensão processual, de tutela de outros direitos – e garantias – fundamentais, passível de se derivar da “cláusula do devido processo” .

Para alguns o fundamento desta garantia fundamental está no estado social de direito, para outros no devido processo legal e há os que afirmam que está implícita em várias normas constitucionais se subsumindo, portanto, no art. 5, parágrafo 2 da CF/88. O certo é que, como dito, a proporcionalidade é um princípio garantidor.

É preciso esclarecer, desde logo, que a proporcionalidade tratada não é a mera proporção, como se encontra em Ferrajoli (princípio de proporcionalidade da pena) , ou em Ripolés (princípio da proporcionalidade) , como pareceu querer dizer D`Urso quando citou Beccaria – “deve haver proporção entre crimes e castigos” - e Aristóteles – “(...) o proporcional é o meio-termo, e o justo é o proporcional” . A proporcionalidade aqui tratada é a descrita por Humberto Ávila, que chama a atenção para que “a idéia de proporção é recorrente na Ciência do Direito” e que “a idéia de proporção perpassa todo o Direito, sem limites ou critérios” . Eis a concepção da proporcionalidade que se propõe:

O postulado da proporcionalidade não se confunde com a idéia de proporção em suas mais variadas manifestações. Ele se aplica apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?).

A adequação (também denominado de idoneidade), a necessidade (também denominado de exigibilidade) e a proporcionalidade em sentido estrito são tidos como “elementos”, “máximas parciais”, “requisitos intrínsecos” ou “princípios parciais ou subprincípios da proporcionalidade”, conferem à proporcionalidade “densificação concretizadora a um direito fundamental” . Na verdade, a análise da proporcionalidade de uma medida estatal passa pela análise dos requisitos ou subprincípios citados.

Não se pode olvidar do conflito existente no processo penal entre a liberdade do cidadão e a pretensão punitiva do estado. É nesse contexto que a proporcionalidade surge como limitadora das ingerências estatais nas liberdades do corpo social. Como bem afirmou D`Urso, “a proporcionalidade contextualiza-se no processo penal como instrumento para garantir e concretizar valores de índole constitucional no caso concreto” .

Processo Penal e Prisão Cautelar

Destaca-se que próprio processo penal tem natureza vexatória, tornando-se, ele mesmo, numa pena. O cidadão que publicamente responde a imputação já é tido, equivocadamente, pela sociedade, como culpado.

Ora, se o processo, por si só, é estigmatizante, como bem afirmou Lopes Jr., “o imputado (...) pode estar livre do cárcere, mas não do estigma e da angustia” , o que dizer do imputado que está cautelarmente preso? Por óbvio que sua situação se agrava quando ele está diante de uma prisão cautelar. Como preleciona Lopes Jr., a prisão cautelar é uma “violência” e em trecho posterior, “uma prisão cautelar conduz a inexorável bancarrota do imputado e seus familiares”.

Se a pena, segundo Carrara, é “o mal que a autoridade pública inflige a um culpado em razão de delito por ele praticado” . Muito mais aviltante é a prisão cautelar. Não sem motivo que Hobbes citado por Ferrajoli afirmou que a prisão processual é “um ato de hostilidade” e Voltere afirmou que “o modo pelo qual em muitos Estados se prende cautelarmente um homem assemelha-se muito a um assalto de bandidos”

Na legislação brasileira a prisão antes do trânsito e julgado da sentença está prevista constitucionalmente e regulada pela legislação processual pátria.

O termo prisão “designa a privação de liberdade do indivíduo, por motivo lícito ou por ordem legal, mediante clausura” . Tendo como marco diferenciador a sentença final condenatória, a prisão tem duas modalidades: prisão-pena e prisão sem pena.

A prisão cautelar é espécie de prisão sem pena. Tendo natureza de cautela é meio para a realização de um fim, não podendo ser um fim em si mesmo. Não pode servir como punição ou prevenção de criminalidade, sob risco de transmudar sua natureza jurídica para prisão pena, o que atingiria o princípio da presunção de inocência.

O processo penal brasileiro prevê cinco formas de prisão antes do trânsito em julgado da sentença, a saber: 1) prisão preventiva (art. 311 a 316 do CPP); 2) Prisão em flagrante (art. 301 a 310 do CPP); 3) prisão temporária (Lei 7.960/1989); 4) prisão de corrente de pronúncia; 5) prisão por condenação recorrível.



O Princípio da Proporcionalidade como Requisito de Constitucionalidade da Prisão Cautelar



Tendo o Estado feito a opção de instituir o instituto da prisão cautelar, deve rodeá-lo de limitações para que o aplicador da lei não abuse do poder de cautela e fira os núcleos de diversos direitos e garantias fundamentais.

Por outro lado, o aplicador tem que, obrigatoriamente, ao fazer o exame da necessidade, ou não, da prisão cautelar, no caso concreto, fazer uma leitura constitucional para verificação se o ato de restrição de liberdade, respeita o conteúdo mínimo das garantias fundamentais. Nesse sentido o pensamento de D’Urso:

A norma que permite a invasão a esses direitos individuais deve ser interpretada. O caráter concretizante da hermenêutica constitucional, bem como do processo penal na efetivação da justiça material, que alia princípios constitucionais de caráter normativo à realidade, demanda do juiz criminal nas suas decisões uma interpretação construtiva da Lei para que, nos conflitos e nas restrições a direitos fundamentais permaneça intocado o núcleo essencial desses direitos, qual seja, a dignidade humana.

Fábio Delmanto informa que o marco histórico da necessidade de impor limites ao poder estatal de restringir a liberdade do indivíduo, antes do trânsito em julgado, foi a morte do Dr. Hoffle em 1925, conhecido político, preso cautelarmente, que causou grande polêmica na Alemanha. Informa ainda que “a justificação dogmática da proporcionalidade somente se fixou durante a Segunda Guerra Mundial”, quando se tornou corrente a idéia que as normas processuais deviam ser limitadas pelas normas constitucionais e seus valores.

A Como já dito a proporcionalidade tem como elementos, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Não é possível reduzir seu conteúdo ao mero exame da proporcionalidade em sentido estrito (ponderação), como, aparentemente pretendeu Pacelli , no que pese ser um avanço, tendo em vista que muitos aplicadores desprezam totalmente a garantia da proporcionalidade.

Em se tratando de prisão cautelar o interprete deve, diante do caso concreto, analisar os pressupostos e requisitos daquela espécie de prisão (por exemplo a prisão preventiva). Após verificar que estão presentes os pressupostos e um dos requisitos deve utilizar a proporcionalidade e seus sub-princípios, ou elementos, antes de decretar a prisão. Deve, portanto, diante do caso concreto perguntar se: 1) Qual o fim pretendido? Com o meio escolhido (prisão cautelar) alcançarei ao fim pretendido? 2) Há outro meio (medidas cautelares substitutivas ) que não a prisão cautelar para se chegar ao mesmo fim? 3) O fim a ser alcançado é tão importante que justifica a restrição a liberdade?

Ao verificar que qualquer dos elementos da proporcionalidade não foi satisfeito não deve decretar a prisão cautelar. E caso, já haja prisão cautelar, deve revogá-la, sob pena em ambos os casos de ferir garantias fundamentais, e, por conseguinte, de tomar uma decisão inconstitucional. Nessa linha de pensamento, conclui-se com a lição de Fábio Delmanto:

A proporcionalidade constitui, sem dúvida, um dos princípios mais importantes para o tema em estudo, posto que, ao denunciar a eventual desproporcionalidade da prisão provisória no caso concreto (seja por desnecessidade, inadequação ou mesmo desproporcionalidade da medida em relação à pena previsivelmente aplicada), exige seja afastada ou mesmo evitada (...).
O que se propõe é avançar, e tomar a proporcionalidade como “importantíssima ferramenta processual para evitar abusos na aplicação das medidas restritivas de liberdade do acusado, que, antes de tudo, deve ser considerado presumivelmente inocente”.



Conclusão



A prisão cautelar é extremamente aviltante. Primeiro porque se corre o risco de encarcerar um inocente, o que por si só deveria reduzir ao máximo sua aplicação. Segundo porque, como toda prisão, afeta vários bens jurídicos do indivíduo e vários aspectos de sua vida.

Seria infantil acreditar que a prisão seja provisória ou prisão pena, afeta somente a liberdade do indivíduo. A prisão afeta a honra, a família, a carreira, a auto-estima, a integridade física e psíquica do preso, afetando, por conseguinte, a garantia basilar da dignidade da pessoa humana.

Não se deve esquecer que a prisão cautelar é meio para a realização de um fim, não podendo ser um fim em si mesmo. Não pode servir como punição ou prevenção de criminalidade, sob risco de transmudar sua natureza jurídica para prisão pena, o que atingiria o princípio da presunção de inocência.

Não é difícil verificar no dia-a-dia forense, prisões sendo decretada de forma automática, ou pior, para satisfazer anseios midiáticos, na maioria das vezes sem fundamentação idônea, sem natureza de cautelar, mas verdadeiras antecipações de pena.

No atual estado de evolução do pensamento científico é impossível que se continue aplicando as regras processuais penais restritivas de liberdade, sem levar em conta os princípios, as regras e os postulados constitucionais, expressos ou implícitos, e seus valores – de maneira específica da garantia fundamental da proporcionalidade - o que levaria a interpretação dos textos legais aos velhos moldes do positivismo e da escola exegética.

Para que as decisões sejam válidas sob a ótica constitucional, é imperativo que o aplicador, antes de restringir qualquer garantia fundamental para se atingir determinado fim, faça uma avaliação criteriosa, uma releitura das antigas regras processuais, pelas lentes da proporcionalidade, extraindo a norma que regulará cada caso em concreto.

Em se tratando de restrição de liberdade antes do trânsito em julgado – prisão cautelar - a proporcionalidade - e seus subprincípios, ou elementos, a saber: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito – permite que o intérprete faça um juízo da real necessidade da prisão. Ele deve perguntar se: 1) Qual o fim pretendido? Com o meio escolhido (prisão cautelar) alcançarei ao fim pretendido? 2) Há outro meio (medidas cautelares substitutivas) que não a prisão cautelar para se chegar ao mesmo fim? 3) O fim a ser alcançado é tão importante que justifica a restrição a liberdade?

O aplicador da Lei (ou o intérprete) verifique a validade dos requisitos das prisões cautelares através da proporcionalidade. E, utilize a proporcionalidade (seus subprincípios) como requisito constitucional ao decretar ou manter a prisão cautelar.


quarta-feira, 14 de abril de 2010

Para meus queridos amigos da Pós de Ciências Criminais (...)


Curiosidade sobre a Sentença dos Nardoni – A Segunda Fase da Pena.


Na segunda fase da fixação da pena, quando se verifica as atenuantes e agravantes, o juiz utilizou uma técnica para melhor individualizar a pena. Havia três qualificadoras. Ele utilizou, para fins de aplicação da pena, uma delas como qualificadora (propriamente dita) e as outras duas como agravantes. Veja o trecho da sentença:

Como se trata de homicídio triplamente qualificado, as outras duas qualificadoras de utilização de meio cruel e de recurso que dificultou a defesa da vítima (incisos III e IV, do parágrafo segundo do art. 121 do Código Penal), são aqui utilizadas como circunstâncias agravantes de pena, uma vez que possuem previsão específica noart. 61, inciso II, alíneas "c" e "d" do Código Penal.


Para melhor entender a técnica utilizada, veja o ensinamento do Professor Paganella Boschi:

[...] uma das qualificadoras atuará como tal (qualquer uma delas) para efeito de reposicionar o juiz perante o tipo derivado, enquanto a outra, remanescente (podendo ser uma ou mais, por óbvio), atuando como agravante, aumentará a pena na segunda fase, desde que o fato que a constitui também constitua agravante genérica [...] Pode ocorrer, entretanto, que a(s) qualificadora(s) remanescente(s) não esteja(m) prevista(s) em lei como agravante(s), como ocorre, por exemplo, com as do furto qualificado (Art. 155, 4°, inc. I a IV, do CP). Nesse caso, recomenda a jurisprudência que a(s) qualificadora(s) restante(s) atue(m) na pena base como circunstâncias judiciais [...]

Com a aplicação dessa técnica, você respeita o princípio da individualização da pena, do tratamento isonômico e não fere o caput do artigo 61 do Código Penal.


Não fere o princípio da individualização, pois se leva em conta todas as circunstâncias do crime. Não fere o princípio da isonomia, pois não se incorre no erro de tratar desiguais de forma igual, por exemplo, estabelecendo a mesma pena para o Réu A, que tem três qualificadoras e para o Réu B que tem apenas uma. Por fim, ao afirmar que para efeito de aplicação da pena apenas uma das qualificadoras servirá como qualificadora e as demais como agravantes, não feri o disposto no caput do art. 61 – “são circunstâncias que sempre agravam a pena quando não constituem ou qualificam o crime”.

terça-feira, 6 de abril de 2010

SENTENÇA DO CASAL NARDONI

Confira abaixo a íntegra da sentença do processo 274/08:
VISTOS
1. ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, qualificados nos autos, foram denunciados pelo Ministério Público porque no dia 29 de março de 2.008, por volta de 23:49 horas, na rua Santa Leocádia, nº 138, apartamento 62, vila Isolina Mazei, nesta Capital, agindo em concurso e com identidade de propósitos, teriam praticado crime de homicídio triplamente qualificado pelo meio cruel (asfixia mecânica e sofrimento intenso), utilização de recurso que impossibilitou a defesa da ofendida (surpresa na esganadura e lançamento inconsciente pela janela) e com o objetivo de ocultar crime anteriormente cometido (esganadura e ferimentos praticados anteriormente contra a mesma vítima) contra a menina ISABELLA OLIVEIRA NARDONI. Aponta a denúncia também que os acusados, após a prática do crime de homicídio referido acima, teriam incorrido também no delito de fraude processual, ao alterarem o local do crime com o objetivo de inovarem artificiosamente o estado do lugar e dos objetos ali existentes, com a finalidade de induzir a erro o juiz e os peritos e, com isso, produzir efeito em processo penal que viria a ser iniciado.
2. Após o regular processamento do feito em Juízo, os réus acabaram sendo pronunciados, nos termos da denúncia, remetendo-se a causa assim a julgamento ao Tribunal do Júri, cuja decisão foi mantida em grau de recurso.
3. Por esta razão, os réus foram então submetidos a julgamento perante este Egrégio 2º Tribunal do Júri da Capital do Fórum Regional de Santana, após cinco dias de trabalhos, acabando este Conselho Popular, de acordo com o termo de votação anexo, reconhecendo que os acusados praticaram, em concurso, um crime de homicídio contra a vítima Isabella Oliveira Nardoni, pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado pelo meio cruel, pela utilização de recurso que dificultou a defesa da vítima e para garantir a ocultação de delito anterior, ficando assim afastada a tese única sustentada pela Defesa dos réus em Plenário de negativa de autoria. Além disso, reconheceu ainda o Conselho de Sentença que os réus também praticaram, naquela mesma ocasião, o crime conexo de fraude processual qualificado.
É a síntese do necessário.

FUNDAMENTAÇÃO.

4. Em razão dessa decisão, passo a decidir sobre a pena a ser imposta a cada um dos acusados em relação a este crime de homicídio pelo qual foram considerados culpados pelo Conselho de Sentença. Uma vez que as condições judiciais do art. 59 do Código Penal não se mostram favoráveis em relação a ambos os acusados, suas penas-base devem ser fixadas um pouco acima do mínimo legal.
Isto porque a culpabilidade, a personalidade dos agentes, as circunstâncias e as conseqüências que cercaram a prática do crime, no presente caso concreto, excederam a previsibilidade do tipo legal, exigindo assim a exasperação de suas reprimendas nesta primeira fase de fixação da pena, como forma de reprovação social à altura que o crime e os autores do fato merecem. Com efeito, as circunstâncias específicas que envolveram a prática do crime ora em exame demonstram a presença de uma frieza emocional e uma insensibilidade acentuada por parte dos réus, os quais após terem passado um dia relativamente tranqüilo ao lado da vítima, passeando com ela pela cidade e visitando parentes, teriam, ao final do dia, investido de forma covarde contra a mesma, como se não possuíssem qualquer vínculo afetivo ou emocional com ela, o que choca o sentimento e a sensibilidade do homem médio, ainda mais porque o conjunto probatório trazido aos autos deixou bem caracterizado que esse desequilíbrio emocional demonstrado pelos réus constituiu a mola propulsora para a prática do homicídio.
De igual forma relevante as conseqüências do crime na presente hipótese, notadamente em relação aos familiares da vítima. Porquanto não se desconheça que em qualquer caso de homicídio consumado há sofrimento em relação aos familiares do ofendido, no caso específico destes autos, a angústia acima do normal suportada pela mãe da criança Isabella, Srª. Ana Carolina Cunha de Oliveira, decorrente da morte da filha, ficou devidamente comprovada nestes autos, seja através do teor de todos os depoimentos prestados por ela nestes autos, seja através do laudo médico-psiquiátrico que foi apresentado por profissional habilitado durante o presente julgamento, após realizar consulta com a mesma, o que impediu inclusive sua permanência nas dependências deste Fórum, por ainda se encontrar, dois anos após os fatos, em situação aguda de estresse (F43.0 - CID 10), face ao monstruoso assédio a que a mesma foi obrigada a ser submetida como decorrência das condutas ilícitas praticadas pelos réus, o que é de conhecimento de todos, exigindo um maior rigor por parte do Estado-Juiz quanto à reprovabilidade destas condutas.
A análise da culpabilidade, das personalidades dos réus e das circunstâncias e conseqüências do crime, como foi aqui realizado, além de possuir fundamento legal expresso no mencionado art. 59 do Código Penal, visa também atender ao princípio da individualização da pena, o qual constitui vetor de atuação dentro da legislação penal brasileira, na lição sempre lúcida do professor e magistrado Guilherme de Souza Nucci:
"Quanto mais se cercear a atividade individualizadora do juiz na aplicação da pena, afastando a possibilidade de que analise a personalidade, a conduta social, os antecedentes, os motivos, enfim, os critérios que são subjetivos, em cada caso concreto, mais cresce a chance de padronização da pena, o que contraria, por natureza, o princípio constitucional da individualização da pena, aliás, cláusula pétrea" ("Individualização da Pena", Ed. RT, 2ª edição, 2007, pág. 195).
Assim sendo, frente a todas essas considerações, majoro a pena-base para cada um dos réus em relação ao crime de homicídio praticado por eles, qualificado pelo fato de ter sido cometido para garantir a ocultação de delito anterior (inciso V, do parágrafo segundo do art. 121 do Código Penal) no montante de 1/3 (um terço), o que resulta em 16 (dezesseis) anos de reclusão, para cada um deles.
Como se trata de homicídio triplamente qualificado, as outras duas qualificadoras de utilização de meio cruel e de recurso que dificultou a defesa da vítima (incisos III e IV, do parágrafo segundo do art. 121 do Código Penal), são aqui utilizadas como circunstâncias agravantes de pena, uma vez que possuem previsão específica no art. 61, inciso II, alíneas "c" e "d" do Código Penal. Assim, levando-se em consideração a presença destas outras duas qualificadoras, aqui admitidas como circunstâncias agravantes de pena, majoro as reprimendas fixadas durante a primeira fase em mais um quarto, o que resulta em 20 (vinte) anos de reclusão para cada um dos réus. Justifica-se a aplicação do aumento no montante aqui estabelecido de um quarto, um pouco acima do patamar mínimo, posto que tanto a qualificadora do meio cruel foi caracterizada na hipótese através de duas ações autônomas (asfixia e sofrimento intenso), como também em relação à qualificadora da utilização de recurso que impossibilitou a defesa da vítima (surpresa na esganadura e lançamento inconsciente na defenestração). Pelo fato do co-réu Alexandre ostentar a qualidade jurídica de genitor da vítima Isabella, majoro a pena aplicada anteriormente a ele em mais 1/6 (um sexto), tal como autorizado pelo art. 61, parágrafo segundo, alínea "e" do Código Penal, o que resulta em 23 (vinte e três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. Como não existem circunstâncias atenuantes de pena a serem consideradas, torno definitivas as reprimendas fixadas acima para cada um dos réus nesta fase.
Por fim, nesta terceira e última fase de aplicação de pena, verifica-se a presença da qualificadora prevista na parte final do parágrafo quarto, do art. 121 do Código Penal, pelo fato do crime de homicídio doloso ter sido praticado contra pessoa menor de 14 anos, daí porque majoro novamente as reprimendas estabelecidas acima em mais 1/3 (um terço), o que resulta em 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão para o co-réu Alexandre e 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão para a co-ré Anna Jatobá. Como não existem outras causas de aumento ou diminuição de pena a serem consideradas nesta fase, torno definitivas as reprimendas fixadas acima.
Quanto ao crime de fraude processual para o qual os réus também teriam concorrido, verifica-se que a reprimenda nesta primeira fase da fixação deve ser estabelecida um pouco acima do mínimo legal, já que as condições judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são favoráveis, como já discriminado acima, motivo pelo qual majoro em 1/3 (um terço) a pena-base prevista para este delito, o que resulta em 04 (quatro) meses de detenção e 12 (doze) dias-multa, sendo que o valor unitário de cada dia-multa deverá corresponder a 1/5 (um quinto) do valor do salário mínimo, uma vez que os réus demonstraram, durante o transcurso da presente ação penal, possuírem um padrão de vida compatível com o patamar aqui fixado. Inexistem circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena a serem consideradas. Presente, contudo, a causa de aumento de pena prevista no parágrafo único do art. 347 do Código Penal, pelo fato da fraude processual ter sido praticada pelos réus com o intuito de produzir efeito em processo penal ainda não iniciado, as penas estabelecidas acima devem ser aplicadas em dobro, o que resulta numa pena final para cada um deles em relação a este delito de 08 (oito) meses de detenção e 24 (vinte e quatro) dias-multa, mantido o valor unitário de cada dia-multa estabelecido acima.

5. Tendo em vista que a quantidade total das penas de reclusão ora aplicadas aos réus pela prática do crime de homicídio triplamente qualificado ser superior a 04 anos, verifica-se que os mesmos não fazem jus ao benefício da substituição destas penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, a teor do disposto no art. 44, inciso I do Código Penal. Tal benefício também não se aplica em relação às penas impostas aos réus pela prática do delito de fraude processual qualificada, uma vez que as além das condições judiciais do art. 59 do Código Penal não são favoráveis aos réus, há previsão específica no art. 69, parágrafo primeiro deste mesmo diploma legal obstando tal benefício de substituição na hipótese.

6. Ausentes também as condições de ordem objetivas e subjetivas previstas no art. 77 do Código Penal, já que além das penas de reclusão aplicadas aos réus em relação ao crime de homicídio terem sido fixadas em quantidades superiores a 02 anos, as condições judiciais do art. 59 não são favoráveis a nenhum deles, como já especificado acima, o que demonstra que não faz jus também ao benefício da suspensão condicional do cumprimento de nenhuma destas penas privativas de liberdade que ora lhe foram aplicadas em relação a qualquer dos crimes.

7. Tendo em vista o disposto no art. 33, parágrafo segundo, alínea "a" do Código Penal e também por ter o crime de homicídio qualificado a natureza de crimes hediondos, a teor do disposto no artigo 2o, da Lei nº 8.072/90, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.464/07, os acusados deverão iniciar o cumprimento de suas penas privativas de liberdade em regime prisional FECHADO. Quanto ao delito de fraude processual qualificada, pelo fato das condições judiciais do art. 59 do Código Penal não serem favoráveis a qualquer dos réus, deverão os mesmos iniciar o cumprimento de suas penas privativas de liberdade em relação a este delito em regime prisional SEMI-ABERTO, em consonância com o disposto no art. 33, parágrafo segundo, alínea "c" e seu parágrafo terceiro, daquele mesmo Diploma Legal.

8. Face à gravidade do crime de homicídio triplamente qualificado praticado pelos réus e à quantidade das penas privativas de liberdade que ora lhes foram aplicadas, ficam mantidas suas prisões preventivas para garantia da ordem pública, posto que subsistem os motivos determinantes de suas custódias cautelares, tal como previsto nos arts. 311 e 312 do Código de Processo Penal, devendo aguardar detidos o trânsito em julgado da presente decisão. Como este Juízo já havia consignado anteriormente, quando da prolação da sentença de pronúncia - respeitados outros entendimentos em sentido diverso - a manutenção da prisão processual dos acusados, na visão deste julgador, mostra-se realmente necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade do crime, da culpabilidade, da intensidade do dolo com que o crime de homicídio foi praticado por eles e a repercussão que o delito causou no meio social, uma vez que a prisão preventiva não tem como único e exclusivo objetivo prevenir a prática de novos crimes por parte dos agentes, como exaustivamente tem sido ressaltado pela doutrina pátria, já que evitar a reiteração criminosa constitui apenas um dos aspectos desta espécie de custódia cautelar. Tanto é assim que o próprio Colendo Supremo Tribunal Federal já admitiu este fundamento como suficiente para a manutenção de decreto de prisão preventiva:
"HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ALEGADA NULIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR QUE SE APÓIA NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO SUPOSTAMENTE PRATICADO, NA NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA "CREDIBILIDADE DE UM DOS PODERES DA REPÚBLICA", NO CLAMOR POPULAR E NO PODER ECONÔMICO DO ACUSADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DO PROCESSO." "O plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 80.717, fixou a tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto na ordem pública." (STF, HC 85298-SP, 1ª Turma, rel. Min. Carlos Aires Brito, julg. 29.03.2005, sem grifos no original).
Portanto, diante da hediondez do crime atribuído aos acusados, pelo fato de envolver membros de uma mesma família de boa condição social, tal situação teria gerado revolta à população não apenas desta Capital, mas de todo o país, que envolveu diversas manifestações coletivas, como fartamente divulgado pela mídia, além de ter exigido também um enorme esquema de segurança e contenção por parte da Polícia Militar do Estado de São Paulo na frente das dependências deste Fórum Regional de Santana durante estes cinco dias de realização do presente julgamento, tamanho o número de populares e profissionais de imprensa que para cá acorreram, daí porque a manutenção de suas custódias cautelares se mostra necessária para a preservação da credibilidade e da respeitabilidade do Poder Judiciário, as quais ficariam extremamente abaladas caso, agora, quando já existe decisão formal condenando os acusados pela prática deste crime, conceder-lhes o benefício de liberdade provisória, uma vez que permaneceram encarcerados durante toda a fase de instrução. Esta posição já foi acolhida inclusive pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como demonstra a ementa de acórdão a seguir transcrita:
"LIBERDADE PROVISÓRIA - Benefício pretendido - Primariedade do recorrente - Irrelevância - Gravidade do delito - Preservação do interesse da ordem pública - Constrangimento ilegal inocorrente." (In JTJ/Lex 201/275, RSE nº 229.630-3, 2ª Câm. Crim., rel. Des. Silva Pinto, julg. em 09.06.97).
O Nobre Desembargador Caio Eduardo Canguçu de Almeida, naquele mesmo voto condutor do v. acórdão proferido no mencionado recurso de "habeas corpus", resume bem a presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva no presente caso concreto:
"Mas, se um e outro, isto é, se clamor público e necessidade da preservação da respeitabilidade de atuação jurisdicional se aliarem à certeza quanto à existência do fato criminoso e a veementes indícios de autoria, claro que todos esses pressupostos somados haverão de servir de bom, seguro e irrecusável fundamento para a excepcionalização da regra constitucional que presumindo a inocência do agente não condenado, não tolera a prisão antecipada do acusado."
E, mais à frente, arremata:
"Há crimes, na verdade, de elevada gravidade, que, por si só, justificam a prisão, mesmo sem que se vislumbre risco ou perspectiva de reiteração criminosa. E, por aqui, todos haverão de concordar que o delito de que se trata, por sua gravidade e característica chocante, teve incomum repercussão, causou intensa indignação e gerou na população incontrolável e ansiosa expectativa de uma justa contraprestação jurisdicional. A prevenção ao crime exige que a comunidade respeite a lei e a Justiça, delitos havendo, tal como o imputado aos pacientes, cuja gravidade concreta gera abalo tão profundo naquele sentimento, que para o restabelecimento da confiança no império da lei e da Justiça exige uma imediata reação. A falta dela mina essa confiança e serve de estímulo à prática de novas infrações, não sendo razoável, por isso, que acusados por crimes brutais permaneçam livre, sujeitos a uma conseqüência remota e incerta, como se nada tivessem feito." (sem grifos no original).
Nessa mesma linha de raciocínio também se apresentou o voto do não menos brilhante Desembargador revisor, Dr. Luís Soares de Mello que, de forma firme e consciente da função social das decisões do Poder Judiciário, assim deixou consignado:
"Aquele que está sendo acusado, e com indícios veementes, volte-se a dizer, de tirar de uma criança, com todo um futuro pela frente, aquilo que é o maior 'bem' que o ser humano possui - 'a vida' - não pode e não deve ser tratado igualmente a tantos outros cidadãos de bem e que seguem sua linha de conduta social aceitável e tranqüila. E o Judiciário não pode ficar alheio ou ausente a esta preocupação, dês que a ele, em última instância, é que cabe a palavra e a solução.
Ora. Aquele que está sendo acusado, 'em tese', mas por gigantescos indícios, de ser homicida de sua 'própria filha' - como no caso de Alexandre - e 'enteada' - aqui no que diz à Anna Carolina - merece tratamento severo, não fora o próprio exemplo ao mais da sociedade. Que é também função social do Judiciário. É a própria credibilidade da Justiça que se põe à mostra, assim." (sem grifos no original).

Por fim, como este Juízo já havia deixado consignado anteriormente, ainda que se reconheça que os réus possuem endereço fixo no distrito da culpa, posto que, como noticiado, o apartamento onde os fatos ocorreram foi adquirido pelo pai de Alexandre para ali estabelecessem seu domicílio, com ânimo definitivo, além do fato de Alexandre, como provedor da família, possuir profissão definida e emprego fixo, como ainda pelo fato de nenhum deles ostentarem outros antecedentes criminais e terem se apresentado espontaneamente à Autoridade Policial para cumprimento da ordem de prisão temporária que havia sido decretada inicialmente, isto somente não basta para assegurar-lhes o direito à obtenção de sua liberdade durante o restante do transcorrer da presente ação penal, conforme entendimento já pacificado perante a jurisprudência pátria, face aos demais aspectos mencionados acima que exigem a manutenção de suas custódias cautelares, o que, de forma alguma, atenta contra o princípio constitucional da presunção de inocência:
"RHC - PROCESSUAL PENAL - PRISÃO PROVISÓRIA - A primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita não impedem, por si só, a prisão provisória" (STJ, 6ª Turma, v.u., ROHC nº 8566-SP, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julg. em 30.06.1999).
"HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. ASSEGURAR A INSTRUÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA A TESTEMUNHAS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. ORDEM DENEGADA. 1. A existência de indícios de autoria e a prova de materialidade, bem como a demonstração concreta de sua necessidade, lastreada na ameaça de testemunhas, são suficientes para justificar a decretação da prisão cautelar para garantir a regular instrução criminal, principalmente quando se trata de processo de competência do Tribunal do Júri. 2. Nos processos de competência do Tribunal Popular, a instrução criminal exaure-se definitivamente com o julgamento do plenário (arts. 465 a 478 do CPP). 3. Eventuais condições favoráveis ao paciente - tais como a primariedade, bons antecedentes, família constituída, emprego e residência fixa - não impedem a segregação cautelar, se o decreto prisional está devidamente fundamentado nas hipóteses que autorizam a prisão preventiva. Nesse sentido: RHC 16.236/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 17/12/04; RHC 16.357/PR, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 9/2/05; e RHC 16.718/MT, de minha relatoria, DJ de 1º/2/05). 4. Ordem denegada. (STJ, 5ª Turma, v.u., HC nº 99071/SP, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julg. em 28.08.2008).
Ademais, a falta de lisura no comportamento adotado pelos réus durante o transcorrer da presente ação penal, demonstrando que fariam tudo para tentar, de forma deliberada, frustrar a futura aplicação da lei penal, posto que após terem fornecido material sanguíneo para perícia no início da apuração policial e inclusive confessado este fato em razões de recurso em sentido estrito, apegaram-se a um mero formalismo, consistente na falta de assinatura do respectivo termo de coleta, para passarem a negar, de forma veemente, inclusive em Plenário durante este julgamento, terem fornecido aquelas amostras de sangue, o que acabou sendo afastado posteriormente, após nova coleta de material genético dos mesmos para comparação com o restante daquele material que ainda estava preservado no Instituto de Criminalística. Por todas essas razões, ficam mantidas as prisões preventivas dos réus que haviam sido decretadas anteriormente por este Juízo, negando-lhes assim o direito de recorrerem em liberdade da presente decisão condenatória.
DECISÃO.

9. Isto posto, por força de deliberação proferida pelo Conselho de Sentença que JULGOU PROCEDENTE a acusação formulada na pronúncia contra os réus ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, ambos qualificados nos autos, condeno-os às seguintes penas:
a) co-réu ALEXANDRE ALVES NARDONI: - pena de 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, pela prática do crime de homicídio contra pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado, agravado ainda pelo fato do delito ter sido praticado por ele contra descendente, tal como previsto no art. 121, parágrafo segundo, incisos III, IV e V c.c. o parágrafo quarto, parte final, art. 13, parágrafo segundo, alínea "a" (com relação à asfixia) e arts. 61, inciso II, alínea "e", segunda figura e 29, todos do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional FECHADO, sem direito a "sursis";
- pena de 08 (oito) meses de detenção, pela prática do crime de fraude processual qualificada, tal como previsto no art. 347, parágrafo único do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional SEMI-ABERTO, sem direito a "sursis" e 24 (vinte e quatro) dias-multa, em seu valor unitário mínimo.
B) co-ré ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ:
- pena de 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, pela prática do crime de homicídio contra pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado, tal como previsto no art. 121, parágrafo segundo, incisos III, IV e V c.c. o parágrafo quarto, parte final e art. 29, todos do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional FECHADO, sem direito a "sursis"; - pena de 08 (oito) meses de detenção, pela prática do crime de fraude processual qualificada, tal como previsto no art. 347, parágrafo único do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional SEMI-ABERTO, sem direito a "sursis" e 24 (vinte e quatro) dias-multa, em seu valor unitário mínimo.

10. Após o trânsito em julgado, feitas as devidas anotações e comunicações, lancem-se os nomes dos réus no livro Rol dos Culpados, devendo ser recomendados, desde logo, nas prisões em que se encontram recolhidos, posto que lhes foi negado o direito de recorrerem em liberdade da presente decisão.

11. Esta sentença é lida em público, às portas abertas, na presença dos réus, dos Srs. Jurados e das partes, saindo os presentes intimados. Plenário II do 2º Tribunal do Júri da Capital, às 00:20 horas, do dia 27 de março de 2.010.
Registre-se e cumpra-se.

MAURÍCIO FOSSEN Juiz de Direito
(Grifei algumas partes do texto).