Erguer as Mãos que Pendem

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quarta-feira, 30 de agosto de 2017

CUIDADO QUANDO EMPRESTAR SEU CARRO!


O denominado erro de tipo essencial é aquele em que o agente não tem o devido discernimento acerca das informações que preenchem fundamentalmente o tipo penal. Ou, em outras palavras, a falsa apreciação da realidade fática prevista no crime.
No Código Penal o erro de tipo está expressamente previsto no art. 20, caput, 1ª parte, assim dispõe: “Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime, exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”.
Recentemente, chegou em nossas mãos mais um caso de denúncia por crime de porte ilegal de arma de fogo. E, mais uma vez, o indivíduo havia emprestado seu carro e, posteriormente, foi parado numa abordagem regular da polícia, que revistou o carro e dentro dele encontrou uma arma de fogo. Como consequência, prisão em flagrante e, posteriormente, denúncia por porte ilegal de arma de fogo.
Acho que podemos concordar que, no caso de você emprestar um carro a alguém e depois recebê-lo de volta, não seria comum, normal, esperado - ou qualquer coisa que o valha - que ao receber o carro de volta se faça uma varredura, em todo e qualquer compartimento do veículo em busca de algum objeto lícito ou ilícito.
Claro que se um objeto está diante dos olhos, pode ser diferente. Mas, no caso concreto a arma estava envolta em panos e embaixo do banco do passageiro, fora do alcance da visão de qualquer pessoa que entrasse no carro.
Mas, tendo em vista que não é o primeiro caso desses que tomo conhecimento – sem falar nos casos de achado de drogas ilícitas -, já estou pensando em todas as vezes que entrar no meu carro ou mesmo no carro de alguém fazer uma revista minuciosa.
Pois, bem, ironias a parte. Esses casos se enquadram, como antecipamos, no instituto do erro de tipo essencial. Vejamos o que dizem alguns doutrinadores a respeito do referido instituto. 

              Luís Flávio Gomes:
Há o erro de tipo essencial quando o erro do agente recai sobre os dados constitutivos do tipo fundamental, do tipo qualificado ou sobre as circunstâncias agravadoras.
O erro de tipo essencial sempre exclui o dolo do agente e pode ser escusável ou inescusável: é escusável e, assim, afasta o dolo e a responsabilidade penal totalmente, quando era inevitável... [1]
           
               Cezar Roberto Bitencourt:
O erro de tipo essencial sempre exclui o dolo, permitindo, quando for o caso, a punição pelo crime culposo, uma vez que a culpabilidade permanece intacta. O erro de tipo inevitável exclui, portanto, a tipicidade, não por falta do tipo objetivo, as por carência do tipo subjetivo. Assim haverá a atipicidade por exclusão do dolo, somente quando o erro for inevitável...  (grifamos). [2]

            Ora, para afirmar que houve erro de tipo essencial, é preciso, porém, demonstrar que o indivíduo não tinha conhecimento de que havia um objeto ilícito no interior do veículo, o que nem sempre será simples. Contudo, uma vez demonstrado que o indivíduo não sabia da existência do objeto ilícito (erro de tipo essencial), isto implicará na ausência do elemento subjetivo do tipo penal (dolo). E sem dolo, nos casos de crime de porte de arma de fogo, por exemplo, não há crime.
Mas, talvez fosse bom dar uma olhada mais detida no seu carro antes de entrar nele!




[1] Gomes, Luís Flávio. Erro de tipo e erro de proibição: e a evolução da teoria causal-naturalista para a teoria finalista da ação: doutrina e jurisprudência: estudo especial do art. 20 §1º do Código Penal. 4ª ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 112.
[2] Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte geral, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 343 

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Conversão e Regressão, cada coisa em seu lugar



Um homem foi condenado a pena privativa de liberdade no regime semiaberto. A pena privativa de liberdade foi substituída por pena restritiva de direito de prestação de serviço à comunidade.
Ele iniciou o cumprimento e após dois meses, deixou de cumprir a pena. O Juízo da execução penal designou data para audiência de justificação, pois o descumprimento injustificado da pena restritiva de direito acarreta a conversão na pena privativa de liberdade imposta, computando-se o tempo de pena cumprido.
Houve audiência de justificação, porém o apenado não foi intimado por se encontrar em lugar incerto e não sabido. Na audiência, tendo em vista a ausência do réu para se justificar o Juízo decidiu por converter a pena restritiva de direitos em privativa de liberdade e, ainda fez de forma equivocada, no nosso entendimento, a regressão de regime.
Ora, mesmo entendendo injustificado o descumprimento, a Lei indica que a conversão é da pena restritiva em privativa de liberdade, no mesmo regime e, como dito, computado o tempo cumprido. As decisões dos Tribunais são nesse sentido:
Data de publicação: 19/06/2012
Ementa: PROCESSO PENAL. SUBSTITUIÇÃO. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DESCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO. CONVERSÃO. REGIME MAIS GRAVOSO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. O descumprimento injustificado da pena restritiva de direitos gera sua conversão à pena original, imposta pela sentença condenatória, nos termos do art. 181 , § 1º , •b–, da LEP , funcionando como sanção definida pelo legislador penal à citada indisciplina. 2. O disposto no art. 188 , § 1º, da LEP , é direcionado ao condenado que frustre a finalidade da execução no cumprimento de pena privativa de liberdade. 3. Configurado o constrangimento ilegal na imposição de regime mais gravoso por ocasião da conversão da pena restritiva de direitos. 4. Ordem concedida.

TJ-RO - Habeas Corpus HC 00079101220118220000 RO 0007910-12.2011.822.0000 (TJ-RO)

Data de publicação: 26/08/2011
Ementa: Habeas corpus. Conversão pena privativa liberdade por restritiva direitos. Descumprimento. Ampla defesa assegurada. Nova conversão em privativa liberdade. Regime mais gravoso que fixado no título executório. Ordem concedida. Ocorrendo o trânsito em julgado da condenação, é defeso o agravamento da situação do paciente em fase de execução da reprimenda. Tratando-se de descumprimento injustificado de pena restritiva de direitos, a medida cabível é sua conversão em privativa de liberdade (art. 44, § 4º, do CP), devendo ser observado o regime inicial fixado no título executório.

Uma vez convertida a pena, caso não haja o respeito às regras do regime originário da pena privativa de liberdade imposto na sentença penal condenatória, poderá haver nova audiência de justificação para a regressão, ou não, do regime. Esse parece ser o entendimento majoritário, inclusive do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos ementário de precedente:

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 662066 SC 2004/0096611-0 (STJ)

Data de publicação: 01/08/2005
Ementa: PENAL. RECURSO ESPECIAL. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. CONVERSÃO EM PRIVATIVA DE LIBERDADE. RÉU PRESO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 76. CONCURSO DE INFRAÇÕES. EXECUÇÃO. PENAS MAIS GRAVES E POSTERIORMENTE AS DEMAIS. MULTA. INADIMPLÊNCIA. DÍVIDA DE VALOR. No caso de descumprimento injustificado da pena restritiva de direitos, na hipótese de o réu estar preso, não é razoável a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, em virtude da prisão do réu e, assim, impossibilitado de adimplir a restrição determinada. A solução está no art. 76 do Código Penal que trata do concurso de infrações, determinando a execução primeiramente dos crimes mais graves. Assim, o executado cumprirá a pena privativa de liberdade para, somente depois, ter a possibilidade de prestar serviços à comunidade, devendo esta ser suspensa enquanto cumpre aquela, em respeito ao art. 116 , parágrafo único , do Código Penal . A pena de multa, se não adimplida, transforma-se em dívida de valor, sendo que para a sua satisfação existem meios próprios que não o aplicado pelo acórdão recorrido. Recurso provido

 Portanto, é preciso por cada coisa em seu lugar. Um fato é o descumprimento da pena restritiva de direito, que tem como possível consequência a conversão. Outro fato é o descumprimento das regras do regime inicial da pena, que tem como possível consequência a regressão.

PS: vale dizer que após a expedição do mandado de prisão, o apenado foi encontrado. Será que se houvesse o mesmo empenho pelo oficial de justiça ele teria sido encontrado para se fazer presente na audiência de justificação?