Erguer as Mãos que Pendem

Erguer as Mãos que Pendem

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

ADVOGANDO NO TRIBUNAL DO JÚRI

Estou trabalhando em mais um livro. O título será: Advogando no Tribunal do Júri. Terá duas partes.
A primeira parte tratará de noções básicas do procedimento do Júri, desde a fase inicial até a fase recursal.
A segunda parte tratará de casos baseados em fatos reais. Claro que, nomes, cidades, alguns detalhes serão modificados, omitidos ou acrescentados para não expor ninguém.
Para atiçar a curiosidade segue abaixo um dos casos:

UM CLIENTE DIFÍCIL

Não faz muitos anos, fui convidado por um grande amigo para fazer um júri numa pequena cidade do interior de Pernambuco. Ele fora contratado pela família do réu para fazer a defesa num crime de homicídio. O trabalho dele compreendia toda a parte escrita e as audiências, mas deixava de fora o Júri. É que este colega advogado não gostava de fazer a defesa no Júri. Ele se achava muito bom escrevendo, razoável nas audiências, mas não gostava da batalha do Júri. Portanto, ele me convidou para uma parceria.
Mas, vamos voltar um pouquinho no tempo. Quando ele foi contratado o réu estava preso. Ele fez muitos pedidos de liberdade ao juiz da causa, todos sem sucesso. O réu ficou preso durante todo o processo, aproximadamente dois anos.
Processo com réu preso não é fácil. A pressão familiar é enorme. Ligações quase todos os dias. Todo mundo liga. Todo mundo pergunta a mesma coisa: quando ele vai sair da prisão? Uma profissão de cartomantes esta a da advocacia criminal. Logo no primeiro contato, o cliente quer saber se vai ser denunciado, ou não; se vai ser preso, ou não; quanto tempo ficará preso; se vai ser absolvido ou condenado; qual a quantidade de pena, em caso de condenação. Ah se tivéssemos uma bola de cristal!
Todo o esforço para conseguir a liberdade foi em vão. O crime chocou a pacata cidade do interior de Pernambuco. Nenhum Juiz ou Desembargador iria dar-lhe a liberdade de volta.  E quando o réu é pobre pouco adianta entrar com um habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça em Brasília. Sem dinheiro para custear a passagem do advogado para que ele trate pessoalmente do caso com o Ministro relator, sem dinheiro para que o defensor entregue os memoriais aos Ministros e faça a sustentação oral, o habeas corpus demorará, por vezes, anos para ser julgado.
Eu me lembro de um caso peculiar que, mesmo sendo meu cliente pobre, como não tínhamos mais alternativas, resolvi arriscar um habeas corpus no STJ. Eu já tinha feito inúmeros pedidos para o juiz de primeiro grau, que negou peremptoriamente todos os meus pedidos. Na última negativa, ele me chamou e disse: “Doutor eu não vou soltar seu cliente, não perca mais seu tempo fazendo pedidos, se quiser vá ao tribunal de Justiça”. Foi o que fiz. Bati na porta do Tribunal de Justiça pelo menos duas vezes. Mas, as respostas foram as mesmas: NÃO!!!
Pois bem como estava dizendo, resolvi entrar com um habeas corpus no STJ. Estudei o caso novamente, estudei a jurisprudência do STJ. Fiz o melhor trabalho que poderia fazer. Enviei pelos correios a petição para Brasília. Ainda não tínhamos o processo eletrônico, então enviávamos a petição para a sala dos advogados em Brasília ou para algum colega que protocolava o habeas corpus. Há dez anos não tínhamos as restrições que temos hoje. Fazíamos habeas corpus substitutivos. Hoje temos que fazer recurso em habeas corpus, o que torna o processamento do habeas corpus mais lento ainda. Se há dez anos o habeas corpus era um remédio amargo, hoje, confesso, que só impetro um habeas corpus em último caso.
Enviei o habeas corpus e esperei o processamento e julgamento. Durante meses ficava olhando no site do STJ, mas simplesmente ele não andava. Ainda fiz algumas ligações, mas sem resultado. O tempo passou. Voltei a insistir com o juiz de primeiro grau que continuou negando os pedidos de liberdade.
Certo dia, resolvi visitar meu cliente na prisão, fazia uns três meses que não tinha ido visitá-lo, talvez por não ter novidades, talvez por uma certa vergonha, não sei. Quando cheguei ao presídio e disse seu nome, não o encontraram. Fiquei preocupado! Fui ao prontuário e lá fui informado que ele havia sido solto, fazia duas semanas. Voltei ao escritório e fui olhar o habaes corpus e, para minha surpresa, ele havia sido julgado fazia quatro semanas. O Superior Tribunal de Justiça havia reconhecido que a prisão era ilegal - um ano e dois meses após a impetração, dois anos e dois meses depois que meu cliente fora preso - ordenando a imediata soltura do paciente.
Mas, voltemos ao caso do meu colega, a cada pedido de liberdade negado a pressão aumentava, mas nada adiantava. Foram meses de decepção e de muitas explicações. Profissão de cientistas esta a da advocacia criminal. Você tem que explicar o inexplicável. Como fazer alguém entender que João, por exemplo, foi solto após três meses preso, sendo réu confesso do homicídio e seu cliente está preso há quase dois anos, tendo negado o fato? Como explicar que depois de 500 dias preso, sem julgamento, não há excesso de prazo da prisão? Ah se nossa profissão fosse uma ciência exata, em que dois mais dois sempre é, e sempre será, quatro, em qualquer lugar e em qualquer tempo.
No dia da audiência, ele me contou que as coisas, que já não estavam tão boas, pioraram. É como se diz: nada pode estar tão ruim, que não possa ficar pior. Ele me disse que o cliente fora reconhecido, os motivos do crime foram esclarecidos, mas nada de crueldade tinha sido dito, pelo menos até agora. Nem o Promotor havia pedido a condenação por crueldade. A denúncia pedia a condenação de 12 a 30 anos pelo crime de homicídio cometido por motivo fútil.
Mas, como tudo pode ficar pior, veio o interrogatório. O juiz perguntou ao réu onde ele estava no dia do fato. Ele respondeu que estava no lugar do crime, pois tinha cometido o crime. Então o juiz perguntou se era verdadeira a acusação. O réu respondeu que sim (de fato, nunca negara). O juiz perguntou como se deu o crime. O réu explicou tudo em seus pormenores.
Ele havia discutido na manhã daquele dia com a vítima. Ambos trocaram insultos, empurrões e ameaças. Segundo a promotoria, tudo por causa de um litro de cachaça. Depois da confusão ele foi para casa. No fim da tarde, saiu novamente, mas desta vez levou uma arma consigo. No caminho encontrou um amigo que lhe convidou para tomar uma cachaça. Veja como são as coisas um amigo que convide o cidadão para ir para uma Igreja, o cidadão não encontra, mas para tomar cachaça… Pois bem, no bar, adivinhe quem ele encontrou?!? Já viu no que deu. Cinco tiros: braço, rosto, pescoço, tórax. Tinha perfuração em todo lugar. A vítima saiu de onde estava e foi ao encontro do réu, mas antes de chegar muito perto foi alvejada e morta.
Até aqui não tinha novidade, tudo estava nos laudos e nos depoimentos das testemunhas. Agora vem a bomba! O réu, do nada, narrou como foi a sequência dos tiros: Doutor dei um tiro certeiro que pegou no pescoço, o cabra já caiu no chão, com a mão no pescoço. Era sangue por todo lado. Eu me aproximei e descarreguei a arma. Pronto, pior impossível, foi suficiente para o Promotor pedir para acrescentar à denúncia a crueldade, pelo número excessivo e desnecessário de tiros.
Meu colega redigiu uma excelente peça de defesa, pedindo que não fossem acatadas as qualificadoras da futilidade e da crueldade. Mais uma derrota! O réu fora pronunciado por homicídio duplamente qualificado. Ele pensou em recorrer, mas resolveu pedir minha opinião. Veja bem, eu disse, você tem um cliente preso há dois anos. Uma pressão enorme da família. O recurso vai demorar pelo menos seis meses. O réu vai continuar preso, mais pressão. Dificilmente, neste caso, o Tribunal de Justiça (órgão revisor das decisões dos juízes de primeira instância) vai modificar a decisão e retirar as qualificadoras. Em regra se entende que o Júri é quem deve decidir se existem ou não as qualificadoras. Então é melhor tentar a sorte no Júri.
E veja, se os jurados acatassem a tese da inexistência das qualificadoras, o crime seria o de homicídio simples cuja pena é de seis a vinte anos. E, mais, como o crime de homicídio simples não é hediondo (salvo quando feito por grupo de extermínio), a progressão de regime se dá com o cumprimento de um sexto da pena. Ou seja, se ele pegasse até doze anos, já poderia sair do regime fechado para o semiaberto, pois já estava preso há mais de dois anos. E, no pior das hipóteses, o cliente teria uma definição. Ele concordou, com uma ressalva: eu teria que fazer o Júri com ele.
Pois bem, as semanas que antecederam o júri foram de preparação e ansiedade. Estudo e ansiedade perseguem o advogado a vida toda. O dia do Júri chegou, eu havia conversado com o cliente uma única vez. Ele chegou algemado, sentou num canto do salão do Júri. Pedi aos policiais que retirassem a algema, no que fui prontamente atendido. Conversei com nosso cliente. Bem, não foi um diálogo, foi mais para um monólogo. Eu falava e ele balançava a cabeça, quando eu insistia muito em ouvir uma resposta, ela era monossilábica: SIM ou NÃO.
Naquela pequena entrevista eu perguntei várias vezes qual teria sido o motivo do crime. Ele simplesmente não respondia. Perguntei o motivo dos cinco disparos. Nenhuma resposta. Então expliquei que a acusação estava pedindo a condenação dele por homicídio qualificado por motivo fútil e por crueldade, ou seja, em palavras mais simples possíveis para ele eu disse que o promotor iria dizer que ele matou por causa de um litro de cachaça e que ele disparou muitas vezes contra a vítima e de forma desnecessária, fazendo com que ela sofresse para morrer.
Por outro lado, nós estávamos afirmando que ele matou para não morrer e que a quantidade de disparos, no momento do medo, da ansiedade, do turbilhão de sentimentos não pode ser medido, havendo no máximo um excesso, nunca uma crueldade. Terminei a entrevista e fomos ao Júri. Como não havia testemunhas para serem ouvidas em plenário, passamos ao interrogatório.
O juiz começou a fazer as perguntas e ele estava respondendo - do jeito dele, meio monossilábico, mas estava - e ele estava indo razoavelmente bem, pelo menos não tinha dito nada que prejudicasse a defesa dele. Quando veio a esperada pergunta: Por que o senhor matou a vítima? Então ele soltou a pérola do dia: “Doutor o cidadão me roubou um litro de cachaça e depois ainda veio querer confusão”. Eu quase baixei a cabeça, mas o advogado tem que assistir tudo de forma fria e tranquila, mesmo que por dentro esteja a ponto de ter um colapso.
Bem, como o que está ruim pode piorar, o juiz fez a outra pergunta: Como se deu o crime? Ele então fez o favor de repetir em detalhes o que já havia dito no interrogatório durante a instrução, explicou golpe por golpe. Parecia que os jurados estavam vendo o filme. Agora eu tinha chagado a conclusão de que as coisas estavam tão ruins, que meu maior consolo é que elas só poderiam melhorar.
O promotor ficou com a faca e o queijo na mão. O maior acusador do caso, a melhor testemunha de acusação do processo era o nosso cliente. Ele, para além de contar os fatos, caiu na besteira de interpretá-los. Logo ele, que foi tão monossilábico comigo. O promotor fez uma acusação excelente. Narrou todos os detalhes e provou tudo com a confissão do réu. Ele mal leu os depoimentos das testemunhas. Ele pegou o interrogatório e provou cada ponto de sua argumentação. Ao fim de sua fala, fiquei com vontade de levantar a mão e dizer que também concordava com a acusação. A situação estava tão ruim que meu colega me disse: E agora, o que você vai dizer? Eu estava me fazendo a mesma pergunta.
Chegou a minha vez, agora era a vez de a defesa falar. Chegara o momento esperado, o momento de colocar tudo o que foi estudado e aprendido para fora. É um momento mágico. É um momento de pura inspiração, sempre resultante de muita transpiração, ou seja, de muito trabalho, de muita preparação prévia. Eu havia tomado nota de todos os pontos da acusação. Agora era a hora. E como diz a música: Quem sabe faz a hora não espera acontecer.
Na minha mente estava tudo muito claro. Eu não podia mexer nos fatos, afinal os fatos foram postos pelo meu cliente. Mas, eu podia interpretá-los. E para mim, não havia futilidade, nem havia crueldade. Ele era culpado, até poderia ser punido, mas não cometera o crime que o promotor havia sustentado. Então parti para a construção da minha defesa e para o ataque aos argumentos da acusação. Não se pode deixar de levar em conta o pensamento do grande professor e advogado americano Alan Dershowitz: A melhor defesa é o ataque!
Ao fim os jurados decidiram por maioria de votos (4x3) que o crime foi cometido por motivo fútil e de forma cruel. O juiz então aplicou a pena de 15 anos de reclusão no regime fechado.
Quando tudo terminou, fui explicar tudo ao cliente e, principalmente, quais seriam os próximos passos. Tudo explicado, perguntei-lhe se ele tinha entendido tudo, ao que me respondeu, para variar, que sim. Perguntei-lhe se tinha alguma dúvida. Adivinha o que ele me respondeu? Não! Até hoje não entendo por qual motivo ele ficava tão falante nos interrogatórios e tão monossilábico nas entrevistas comigo.


POSSE DO NOVO PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DE ALAGOAS




Ontem, dia 02.01.2017, prestigiamos, com muita alegria, o evento do Ministério Público Estadual de Alagoas, que empossou o Procurador Geral de Justiça (Dr. Alfredo Gaspar), o Corregedor Geral (Dr. Lean Araújo) e o Ouvidor Geral (Dr. Afrânio)