Um Caso de Incompetência
Absoluta
(Prática Processual)
Nas próximas postagens
trataremos um pouco da prática processual
Chegou em
nossas mãos um caso em que um cidadão foi acusado de crimes cujo a pena ficava
dentro dos limites do rito sumaríssimo, ou seja, de competência do Juizado
Especial.
O Juízo
comum recebeu e homologou o flagrante, concedendo, inclusive a liberdade
provisória. Posteriormente, o Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor
do acusado. Ele foi citado e fomos contratados para fazer sua defesa e fizemos
uma singela defesa mais ou menos nesses termos:
1 – Em maio do corrente
ano, o acusado foi preso em suposto flagrante delito pelos crimes de ameaça e
ato obsceno (art. 147 e art. 233 do CP). Vossa Excelência lavrou o flagrante e
concedeu a liberdade. Com o trâmite natural do processo, o douto representante
do Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor do acusado, requerendo por
fim sua condenação por crime de ameaça e ato obsceno. Ocorre que, os crimes em
tela têm, respectivamente, as seguintes penas:
- Ameaça
Art. 147
– Ameaçar
alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de
causar-lhe mal injusto e
grave:
Pena – detenção,
de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo
único – Somente se procede mediante representação.
Art. 233
- Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena - detenção, de 3 (três) meses
a 1 (um) ano, ou multa
2 - Pois bem, no presente caso os dois crimes, por definição, são de menor potencial ofensivo. Mesmo
somando as penas dos dois tipos penais em comento - o que daria um mínimo de 04
meses e um máximo de 01 ano e 06 meses de detenção – ainda assim estaríamos
dentro do patamar da competência do Juizado Especial. Devendo, este ilustre
Juízo declinar a competência e enviar os autos para o Juízo competente.
O DIREITO APLICÁVEL
A natureza do direito material que rege a relação jurídica delimita o
que se conhece por competência ratione materiae, ou seja,
determinada em razão da natureza do direito material que rege a relação
jurídica levada a conhecimento do órgão jurisdicional. No âmbito constitucional,
o critério ratione materiae é adotado para estabelecer a
competência dos diversos órgãos em que se divide o Poder Judiciário.
Como bem disse Fernando Capez, quando tratou da matéria de competência
e, especificamente, da (in)competência absoluta:
Nos casos de competência
ratione materie e personae e competência funcional, cumpre observar que é o
interesse público que dita a distribuição de competência. Assim, por exemplo,
no caso da jurisdição comum e especial, dos juízes superiores e inferiores e
segundo a natureza da infração penal,
a competência é fixada muito mais por imposição da ordem pública, do que no
interesse das partes. Trata-se, aí, de competência absoluta, que não pode ser
prorrogada, nem modificada pelas partes, sob pena de implicar nulidade
absoluta.[1]
Ademais,
como sabido por este ilustre Juízo, tratando-se de competência em razão da
matéria, ou seja, competência absoluta, cabe ao juízo reconhecer sua
incompetência em qualquer fase do processo, devendo declará-la até mesmo de
ofício (art.109 do CPP).
Vejamos
algumas decisões que sustentam o posicionamento exposto:
Data de publicação:
19/01/2010
Ementa: (...)- A
competência em razão da matéria é de natureza absoluta, podendo ser conhecida de
ofício ou arguida pelas partes a qualquer momento do processo. - Acolho a
preliminar arguida pela defesa e determino a cassação dos atos decisórios
proferidos pelo culto Magistrado, ficando os atos instrutórios a cargo do Juiz
competente para ratificá-los ou não, prosseguindo com o feito. (Grifamos)
Ora,
também do conhecimento deste douto Juízo que a competência do Juizado Especial
é absoluta em razão da matéria. Vejamos alguns julgados nesse sentido:
Data de
publicação: 24/07/2014
Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL
- VIAS DE FATO PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO FAMILIAR - ART. 21 DO DECRETO-LEI
Nº 3.688 /41 - FEITO PROCESSADO PERANTE O JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL
- NULIDADE ABSOLUTA - INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA - COMPETÊNCIA
ABSOLUTA EM RAZÃO DA MATÉRIA. - Nos termos do art. 41 da
Lei Maria da Penha , aos crimes praticados com violência doméstica e familiar
contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei
Federal nº 9.099 /95 ( Lei dos Juizados Especiais Criminais).
- Em se tratando de incompetência absoluta em razão da matéria,
os atos decisórios proferidos pela autoridade incompetente devem ser declarados
nulos.
TJ-PR - Conflito de Competência Crime CC 7471561 PR 0747156-1 (TJ-PR)
Data de publicação: 17/03/2011
Ementa: CONFLITO DE COMPETÊNCIA - JUIZADO ESPECIAL
CRIMINAL EM FACE DA VARA CRIMINAL - CONEXÃO ENTRE OS CRIMES DE
ROUBO E FALSA IDENTIDADE - COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO
ESPECIAL CRIMINAL PARA JULGAMENTO DOS DELITOS DE MENOR POTENCIAL
OFENSIVO - COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA ESTABELECIDA
PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - CONFLITO IMPROCEDENTE. A competência do Juizado
Especial Criminal está estabelecida na Constituição Federal ,
sendo especial em relação à Justiça Comum; outrossim, sendo o exercício
de sua jurisdição determinado em razão da matéria, qual seja,
delitos de menor potencial ofensivo, cuida-se de competência absoluta.
(STJ - CC 87560 / AL - Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho - S3 - j. 05/12/2008
- DJe 05/02/2009)
Pois
bem, no caso em tela os dois crimes, por definição, são de menor potencial
ofensivo. Mesmo somando as penas dos dois tipos penais em comento - o que daria
um mínino de 04 meses e um máximo de 01 ano e 06 meses de detenção – ainda
assim estaríamos dentro do patamar da competência do Juizado Especial. Pois, como sabido, o art. 60[2] da
Lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) estabelece que é
competência do Juizado Especial o julgamento dos crimes de menor potencial
ofensivo, assim considerados, as contravenções penais e os crimes cuja pena não
ultrapasse os 2 (dois anos), conforme art. 61[3] do
mesmo diploma legal.
Em caso de concurso de
crimes as decisões vão no sentido de que para determinar a competência para
processar e julgar o fetio faz-se o somatório das penas máximas. Se do
somatório das penas máximas resultar uma pena maior que dois anos o Juízo
competente será a Justiça Comum. Caso o somatório das penas máximas ficar igual
ou menor que dois anos o competente será o Juízo do Juizado Especial. Vejamos
algumas decisões que servem como paradigma:
RECURSO ESPECIAL. CRIME DE CALÚNIA. CAUSA DE AUMENTO DE PENA.
COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.1. A pena máxima prevista para o crime
capitulado na queixa-crime (art. 138, c.c. art. 141, III, do Código Penal)é
superior a dois anos, não se enquadrando, portanto, no conceito de crime de
menor potencial ofensivo, mesmo com a ampliação dada pela Lei n.º 10.259/01.
Competência da Justiça Comum Estadual. Precedentes.138c.c141IIICódigo
Penal10.2592. Recurso conhecido e provido
(STJ RESP 822265 SC 2006/0038620-2, Relator: Ministra LAURITA
VAZ, Data de Julgamento: 21/08/2006, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ
16.10.2006 p. 427)
Pois bem excelência, o
presente caso é de incompetência absoluta em razão da matéria,
sendo certo que o Juízo competente para processar e julgar o feito é o Juizado
Especial.
[1] CAPEZ, Fernado. Curso de Processo Penal.
São Paulo: Saraiva, p. 205, 2004.
[2] Art. 60. O Juizado Especial Criminal,
provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a
conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial
ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
[3] Art. 61.
Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos
desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima
não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
