Erguer as Mãos que Pendem

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segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Um Caso de Incompetência Absoluta



Um Caso de Incompetência Absoluta

(Prática Processual)

Nas próximas postagens trataremos um pouco da prática processual

Chegou em nossas mãos um caso em que um cidadão foi acusado de crimes cujo a pena ficava dentro dos limites do rito sumaríssimo, ou seja, de competência do Juizado Especial.
O Juízo comum recebeu e homologou o flagrante, concedendo, inclusive a liberdade provisória. Posteriormente, o Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor do acusado. Ele foi citado e fomos contratados para fazer sua defesa e fizemos uma singela defesa mais ou menos nesses termos:


1 – Em maio do corrente ano, o acusado foi preso em suposto flagrante delito pelos crimes de ameaça e ato obsceno (art. 147 e art. 233 do CP). Vossa Excelência lavrou o flagrante e concedeu a liberdade. Com o trâmite natural do processo, o douto representante do Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor do acusado, requerendo por fim sua condenação por crime de ameaça e ato obsceno. Ocorre que, os crimes em tela têm, respectivamente, as seguintes penas:
- Ameaça
Art. 147Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.


Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa

2 - Pois bem, no presente caso os dois crimes, por definição, são de menor potencial ofensivo. Mesmo somando as penas dos dois tipos penais em comento - o que daria um mínimo de 04 meses e um máximo de 01 ano e 06 meses de detenção – ainda assim estaríamos dentro do patamar da competência do Juizado Especial. Devendo, este ilustre Juízo declinar a competência e enviar os autos para o Juízo competente.

O DIREITO APLICÁVEL

A natureza do direito material que rege a relação jurídica delimita o que se conhece por competência ratione materiae, ou seja, determinada em razão da natureza do direito material que rege a relação jurídica levada a conhecimento do órgão jurisdicional. No âmbito constitucional, o critério ratione materiae é adotado para estabelecer a competência dos diversos órgãos em que se divide o Poder Judiciário.
Como bem disse Fernando Capez, quando tratou da matéria de competência e, especificamente, da (in)competência absoluta:
Nos casos de competência ratione materie e personae e competência funcional, cumpre observar que é o interesse público que dita a distribuição de competência. Assim, por exemplo, no caso da jurisdição comum e especial, dos juízes superiores e inferiores e segundo a natureza da infração penal, a competência é fixada muito mais por imposição da ordem pública, do que no interesse das partes. Trata-se, aí, de competência absoluta, que não pode ser prorrogada, nem modificada pelas partes, sob pena de implicar nulidade absoluta.[1]

Ademais, como sabido por este ilustre Juízo, tratando-se de competência em razão da matéria, ou seja, competência absoluta, cabe ao juízo reconhecer sua incompetência em qualquer fase do processo, devendo declará-la até mesmo de ofício (art.109 do CPP).
Vejamos algumas decisões que sustentam o posicionamento exposto:
Data de publicação: 19/01/2010
Ementa: (...)- A competência em razão da matéria é de natureza absoluta, podendo ser conhecida de ofício ou arguida pelas partes a qualquer momento do processo. - Acolho a preliminar arguida pela defesa e determino a cassação dos atos decisórios proferidos pelo culto Magistrado, ficando os atos instrutórios a cargo do Juiz competente para ratificá-los ou não, prosseguindo com o feito. (Grifamos)

Ora, também do conhecimento deste douto Juízo que a competência do Juizado Especial é absoluta em razão da matéria. Vejamos alguns julgados nesse sentido:
Data de publicação: 24/07/2014
Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL - VIAS DE FATO PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO FAMILIAR - ART. 21 DO DECRETO-LEI Nº 3.688 /41 - FEITO PROCESSADO PERANTE O JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL - NULIDADE ABSOLUTA - INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA - COMPETÊNCIA ABSOLUTA EM RAZÃO DA MATÉRIA. - Nos termos do art. 41 da Lei Maria da Penha , aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei Federal nº 9.099 /95 ( Lei dos Juizados Especiais Criminais). - Em se tratando de incompetência absoluta em razão da matéria, os atos decisórios proferidos pela autoridade incompetente devem ser declarados nulos.

TJ-PR - Conflito de Competência Crime CC 7471561 PR 0747156-1 (TJ-PR)

Data de publicação: 17/03/2011
Ementa: CONFLITO DE COMPETÊNCIA - JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL EM FACE DA VARA CRIMINAL - CONEXÃO ENTRE OS CRIMES DE ROUBO E FALSA IDENTIDADE - COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL PARA JULGAMENTO DOS DELITOS DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO - COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA ESTABELECIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - CONFLITO IMPROCEDENTE. A competência do Juizado Especial Criminal está estabelecida na Constituição Federal , sendo especial em relação à Justiça Comum; outrossim, sendo o exercício de sua jurisdição determinado em razão da matéria, qual seja, delitos de menor potencial ofensivo, cuida-se de competência absoluta. (STJ - CC 87560 / AL - Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho - S3 - j. 05/12/2008 - DJe 05/02/2009)

Pois bem, no caso em tela os dois crimes, por definição, são de menor potencial ofensivo. Mesmo somando as penas dos dois tipos penais em comento - o que daria um mínino de 04 meses e um máximo de 01 ano e 06 meses de detenção – ainda assim estaríamos dentro do patamar da competência do Juizado Especial. Pois, como sabido, o art. 60[2] da Lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) estabelece que é competência do Juizado Especial o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo, assim considerados, as contravenções penais e os crimes cuja pena não ultrapasse os 2 (dois anos), conforme art. 61[3] do mesmo diploma legal.
Em caso de concurso de crimes as decisões vão no sentido de que para determinar a competência para processar e julgar o fetio faz-se o somatório das penas máximas. Se do somatório das penas máximas resultar uma pena maior que dois anos o Juízo competente será a Justiça Comum. Caso o somatório das penas máximas ficar igual ou menor que dois anos o competente será o Juízo do Juizado Especial. Vejamos algumas decisões que servem como paradigma:
RECURSO ESPECIAL. CRIME DE CALÚNIA. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.1. A pena máxima prevista para o crime capitulado na queixa-crime (art. 138, c.c. art. 141, III, do Código Penal)é superior a dois anos, não se enquadrando, portanto, no conceito de crime de menor potencial ofensivo, mesmo com a ampliação dada pela Lei n.º 10.259/01. Competência da Justiça Comum Estadual. Precedentes.138c.c141IIICódigo Penal10.2592. Recurso conhecido e provido
(STJ RESP 822265 SC 2006/0038620-2, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 21/08/2006, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 16.10.2006 p. 427)


Pois bem excelência, o presente caso é de incompetência absoluta em razão da matéria, sendo certo que o Juízo competente para processar e julgar o feito é o Juizado Especial.


[1] CAPEZ, Fernado. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, p. 205, 2004.
[2] Art. 60.  O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
[3]  Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.