E AGORA?
Ontem, dia 17.02.2016, foi um dia surpreendentemente triste. Triste por ver a decisão do STF sobre a possibilidade de execução provisória da pena, Após a confirmação da sentença penal condenatória em segunda instância.Triste por ver que ficou entendido que não fere a presunção de inocência a execução provisória da pena.
Replico a seguir matéria sobre o tema.
(Migalhas N. 3.803)
Falha: corrigida ou praticada?
Uma quarta-feira como outra qualquer. Calor
brasiliense. Céu azul. Árvores verdes. Sessão no STF. Tudo normal. Na pauta,
uma questão simples, com tema reiterado. Coisa, enfim, ordinária.
Mas, qual o quê ?! O que era para
ser uma assentada como outra qualquer, transformou-se no julgamento mais
importante do STF nos últimos anos. Vejamos.
Relator,
ministro Teori. Caso, um HC no qual o ministro já tinha dado
liminar para soltar o réu preso após condenação em segunda instância. Em
sucinto, mas muito bem engendrado voto, o ministro Teori relata o histórico do
tema no mundo e no Supremo, para ao final concluir que:
"A execução provisória de acórdão penal
condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso
especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da
presunção de inocência."
Estávamos, pois, diante de uma
proposta de mudança de entendimento do Supremo, o qual se consolidou a partir
da boa leitura da Carta Magna, segundo a qual ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de sentença condenatória.
E
eis que chega o ministro Marco Aurélio, reconhecidamente um dos grandes
construtores da jurisprudência que se pretendia mudar. Acabrunhado, sem
esconder o travo da amargura, diz que era uma tarde triste para o cidadão. E,
como não podia deixar de ser, mantém coerentemente seu posicionamento. Celso de
Mello e Lewandowski também votam contra a mudança, e ficam vencidos.
Resultado: por 7 votos a 4, o
plenário mudou jurisprudência da Corte, afirmando que é, sim, possível a
execução da pena depois de decisão condenatória em segunda instância.
Mitigou-se, com isso, o princípio da presunção de inocência.
Veja
como foi o julgamento, a íntegra do voto do
ministro Teori e a transcrição do voto oral do ministro Barroso.
Placar
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A favor da mudança de jurisprudência
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Contra a mudança de jurisprudência
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Teori
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Rosa
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Fachin
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Marco Aurélio
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Barroso
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Celso de Mello
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Toffoli
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Lewandowski
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Fux
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Cármen Lúcia
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Gilmar Mendes
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Premonição
Na obra em homenagem aos 25 anos do ministro Marco
Aurélio, que por ventura do destino foi costurada no ano passado por este nosso
humilde rotativo, o ministroGilmar
Mendes falou da questão da
presunção da inocência e das reiteradas decisões do ministro Marco Aurélio
acerca do tema. Com efeito, desde 1995 o ministro votava pela não possibilidade
de prisão, ficando reiteradamente vencido, até que em 5 de fevereiro de 2009 o
pleno do STF decidiu, enfim, que a prisão somente ocorria após o trânsito em
julgado da decisão condenatória (HC 71.959). Naquele mencionado texto, com ares
premonitórios, o ministro Gilmar Mendes dizia que, mais cedo ou mais tarde, o
STF iria ser chamado a rever sua jurisprudência (Ciência e Consciência, Marco
Aurélio Mello, 2015, Migalhas). Veja a íntegra.
Honrosa citação
Para
gáudio desta redação, o ministro Teori cita, em seu voto conductore, o texto do ministro Gilmar Mendes publicado na
obra que tivemos a honra de editar em homenagem ao ministro Marco Aurélio.
Responsabilidade
Os tribunais, que não sem motivo
viam-se como instâncias de passagem, ganham agora uma autoridade gigantesca.
Com ela, a responsabilidade de decidir criteriosamente.
Comentários
Para alguns, apagou-se a luz. Para
outros, fiat lux.
Escuridão
OAB,
Associações, Institutos e advogados lamentam a
decisão a qual qualificam de retrógrada.
Claridade
Associação
de juízes diz que
decisão é um avanço no processo penal brasileiro.
Ai, ai, ai...
Quem não é do ramo acha que a
decisão do STF de ontem se deu por causa do juiz Moro, e que ele seria o grande
mentor disso. Convenhamos. Só mesmo quem não entende patavina para achar isso.
Há, leigo, mais coisas entre o STF e a primeira instância do que sonha nossa vã
jusfilosofia.
Onda de prisão
O MP vai, por obrigação, e pelo
princípio de igualdade, pedir a prisão de todos os já condenados em segundo
grau e cujos processos estão nos tribunais superiores aguardando julgamento?
Chuva de HC
O leitor criminalista vai poder
dizer se isso é fato ou não, mas nos parece que o número de HC vai explodir. E
mais, agora será HC de réu preso, feito que tem preferência sobre os demais.
Fim das prescrições?
De uma coisa os ministros dos
tribunais superiores se aliviaram : da angústia de, por conta de excesso de
recursos, serem de certa forma os "responsáveis" pelas prescrições
que pululavam a rodo.
Penal x Cível
Fazendo um paralelo jurídico, o
que o Supremo fez ontem no penal é a solução que já se encontrou para resolver
a crise do processo civil, qual seja a tutela antecipada ou a execução
provisória da sentença. Ocorre, no entanto, que no cível há a exigência de
caução para a execução, o que em tese é um conforto e uma segurança para o
executado. No crime, os eventuais danos não terão a mesma contrapartida.
Erro judiciário?
Pelo que se sabe, não há
responsabilidade do Estado no caso das prisões preventivas, mesmo havendo
absolvição a posteriori. Nesse sentido, não se vislumbra futura indenização no
caso de absolvição após cumprimento de pena provisória decorrente de condenação
em segunda instância.
Corda em casa de enforcado
Umas das sabidas preocupações
daqueles que são contra a decisão suprema, de mitigar a presunção de inocência,
é de que haja injustiças e inocentes sejam presos. Pois bem, nestes casos,
quando isso ocorre, não raro o injustiçado dá cabo da vida. Interessante notar
que, coincidentemente, ontem havia um processo na pauta do STF que trata
exatamente da polêmica responsabilidade do Estado em caso de suicídio de preso.
O processo não foi enfrentado porque, vai ver, lembraram-se do ditado segundo o
qual não se fala de corda em casa de enforcado. (RE 84.1526)
Poderia parafrasear Drummond: E AGORA JOSÉ?
