Erguer as Mãos que Pendem

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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O Processo Penal como Garantia do Cidadão


O processo penal já foi tido, unicamente, como meio legítimo de o Estado impor penas. É bem verdade que alguns autores e boa parte dos aplicadores continuam dando ênfase desmedida a esse fundamento.
Como afirmou D`Urso, “o processo penal vem, larga e progressivamente, sendo utilizado como mero instrumento de defesa social”[1]. Em trecho posterior, ela cita Silva Sanches, chamando a atenção para o “tríplice ocaso que tomou conta, nos últimos tempos, do direito penal e do processo penal: a) o ocaso das garantias fundamentais; b) o ocaso das garantias materiais; c) o ocaso do princípio da utilidade da intervenção penal.” [2]
Mougenot Bonfim[3] afirma que o processo pode ser visto sob dois aspectos: a) “um instrumento que determina como será exercido o poder do Estado de averiguar a verdade e impor sanções”; b) “uma garantia para o réu”.
Aury Lopes Jr. enfrenta a temática do fundamento da existência do processo penal, fazendo a opção “pela leitura constitucional e, desta perspectiva, visualizamos o processo penal como instrumento de efetivação das garantias constitucionais.” [4]
Em outras palavras, o intérprete, ao aplicar a regra infraconstitucional de processo penal, no caso concreto, deve, por mais clara que seja a regra, fazer sua leitura através das normas constitucionais. Devem ser levando em conta os princípios garantidores, antes de externar a interpretação de qualquer regra de processo penal. Nesse sentido o pensamento de D’Urso:

A norma que permite a invasão a esses direitos individuais deve ser interpretada. O caráter concretizante da hermenêutica constitucional, bem como do processo penal na efetivação da justiça material, que alia princípios constitucionais de caráter normativo à realidade, demanda do juiz criminal nas suas decisões uma interpretação construtiva da Lei para que, nos conflitos e nas restrições a direitos fundamentais permaneça intocado o núcleo essencial desses direitos, qual seja, a dignidade humana. [5]

Não é difícil verificar, entretanto, situações em que a aplicação direta, sem levar em conta os princípios constitucionais garantidores e, por conseguinte a força normativa dos princípios fere de morte as normas constitucionais.
O processo penal (suas regras), portanto, deve ser visto como instrumento de garantias e direitos do cidadão, em relação ao ius puniende do estado. Como bem questionou J. Goldschmidt, citado por Lopes Jr.[6], “Por que supõe a imposição da pena a existência de um processo? Ora o Estado é soberano, detentor de todo o poder, poderia impor a pena, sem processo, como já fizera no passado.
No entanto, a resposta a indagação retórica de Goldschmidt é que o processo penal serve de defesa do indivíduo, serve de garantia contra o abuso do poder estatal de punir, mas para tanto deve ser aplicado em conformidade com as normas constitucionais. Nessa linha preceitua Lopes Jr.:

A resposta passa, necessariamente, por uma leitura constitucional do processo penal. Se, antigamente, o grande conflito era entre o direito positivo e o direito natural, atualmente, com a recepção dos direitos naturais pelas modernas constituições democráticas, o desafio é outro: dar eficácia a esses direitos fundamentais. [7]

Nessa esteira de pensamento, o processo penal, mais do que um conjunto de garantias do réu, deve ser visto, inclusive, com o desafio de materializar os direitos fundamentais.



[1] D’URSO, Flávia. Princípio Constitucional da Proporcionalidade no Processo Penal. São Paulo Atlas: 2007, p. 88.
[2] Idem, p. 90.
[3] BONFIM, Edilson Mongenout. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 06.
[4] LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007, p. 7.
[5] D`URSO, 2007, p. 94.
[6] LOPES, 2007, p. 7-8.
[7] LOPES, 2007, p. 8.