O processo penal já foi tido,
unicamente, como meio legítimo de o Estado impor penas. É bem verdade que
alguns autores e boa parte dos aplicadores continuam dando ênfase desmedida a
esse fundamento.
Como afirmou D`Urso, “o processo
penal vem, larga e progressivamente, sendo utilizado como mero instrumento de
defesa social”[1]. Em
trecho posterior, ela cita Silva Sanches, chamando a atenção para o “tríplice
ocaso que tomou conta, nos últimos tempos, do direito penal e do processo
penal: a) o ocaso das garantias fundamentais; b) o ocaso das garantias
materiais; c) o ocaso do princípio da utilidade da intervenção penal.” [2]
Mougenot Bonfim[3]
afirma que o processo pode ser visto sob dois aspectos: a) “um instrumento que
determina como será exercido o poder do Estado de averiguar a verdade e impor
sanções”; b) “uma garantia para o réu”.
Aury Lopes Jr. enfrenta a
temática do fundamento da existência do processo penal, fazendo a opção “pela
leitura constitucional e, desta perspectiva, visualizamos o processo penal como
instrumento de efetivação das garantias constitucionais.” [4]
Em outras palavras, o intérprete,
ao aplicar a regra infraconstitucional de processo penal, no caso concreto,
deve, por mais clara que seja a regra, fazer sua leitura através das normas
constitucionais. Devem ser levando em conta os princípios garantidores, antes
de externar a interpretação de qualquer regra de processo penal. Nesse sentido
o pensamento de D’Urso:
A norma que permite a invasão a esses direitos
individuais deve ser interpretada. O caráter concretizante da hermenêutica
constitucional, bem como do processo penal na efetivação da justiça material,
que alia princípios constitucionais de caráter normativo à realidade, demanda
do juiz criminal nas suas decisões uma interpretação construtiva da Lei para
que, nos conflitos e nas restrições a direitos fundamentais permaneça intocado
o núcleo essencial desses direitos, qual seja, a dignidade humana. [5]
Não é difícil verificar,
entretanto, situações em que a aplicação direta, sem levar em conta os
princípios constitucionais garantidores e, por conseguinte a força normativa
dos princípios fere de morte as normas constitucionais.
O processo penal (suas regras),
portanto, deve ser visto como instrumento de garantias e direitos do cidadão,
em relação ao ius puniende do estado.
Como bem questionou J. Goldschmidt, citado por Lopes Jr.[6],
“Por que supõe a imposição da pena a existência de um processo? Ora o Estado é
soberano, detentor de todo o poder, poderia impor a pena, sem processo, como já
fizera no passado.
No entanto, a resposta a
indagação retórica de Goldschmidt é que o processo penal serve de defesa do
indivíduo, serve de garantia contra o abuso do poder estatal de punir, mas para
tanto deve ser aplicado em conformidade com as normas constitucionais. Nessa
linha preceitua Lopes Jr.:
A resposta passa, necessariamente, por uma leitura
constitucional do processo penal. Se, antigamente, o grande conflito era entre
o direito positivo e o direito natural, atualmente, com a recepção dos direitos
naturais pelas modernas constituições democráticas, o desafio é outro: dar
eficácia a esses direitos fundamentais. [7]
Nessa esteira de pensamento, o
processo penal, mais do que um conjunto de garantias do réu, deve ser visto,
inclusive, com o desafio de materializar os direitos fundamentais.
[1]
D’URSO, Flávia. Princípio Constitucional da Proporcionalidade no Processo
Penal. São Paulo Atlas: 2007, p. 88.
[2]
Idem, p. 90.
[3]
BONFIM, Edilson Mongenout. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006,
p. 06.
[4]
LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007, p.
7.
[5]
D`URSO, 2007, p. 94.
[6] LOPES,
2007, p. 7-8.
[7] LOPES,
2007, p. 8.
